segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

{Resenha} Jung e a Arte. Christian Gaillard.






Boa tarde queridos leitores amigos! Primeiramente, depois de dois meses de férias: (colocando algumas leituras em dia e me atrasando em tantas outras) Um feliz recomeço para todos nós! Que este ano se faça de luz! Bem, bem, como já devem ter percebido terminamos o ano e começamos um novo falando, lendo, refletindo sobre os escritos do prof. dr. Carl Gustav Jung. Embora esteja temerosa de parecer repetitiva, continuo sendo fiel a ideia de divulgar seus escritos, dadas as potencialidades que eles carregam para refletirmos sobre a crise da sociedade contemporânea e as formas de reencontro que podem levar a sua superação.  
Entre outros assuntos, como o título sugere, este blog se orienta principalmente por questões das áreas de arte e educação. Assim, trago-lhes hoje algumas considerações das leituras de Christian Gaillard sobre as relações que se estabelecem entre a biografia de Jung, o pensamento e a prática da psicologia analítica e a arte. GAILLARD é analista junguiano e professor de psicanálise da arte na França e este texto foi traduzido por Marisa Rossetto e revisado pela profa. dra. Ana Angelica Albano. 
As imagens que ilustram a postagem são do pintor surrealista francês Yves Tanguy (1900-1955), que juntamente com as obras de Picasso foram as principais referências reflexivas da arte contemporânea para Jung. 
Boa leitura e bons dias!
Abraços, 

Lorena Oliveira 

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Jung e a Arte

Resenha

“(...)para Jung, a arte nos precede. E nos faz viver o que, muitas vezes, se encontra fora de nosso alcance.” (p. 131)

Este artigo pretende refletir sobre as possíveis  aproximações entre os campos da arte e da psicologia analítica de Carl Gustav Jung.  Segundo o autor, a relação que se estabelece entre Jung e a arte, vai para além de uma psicologia “aplicada”, de uma psicologização da arte; para construir-se a partir da reflexão sobre a história e de sua própria experiência com a arte.
Christian Gaillard inicia suas considerações referindo-se ao livro de Freud, Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infância, como o fundador da perspectiva que estabelece relações entre a psicanálise e a arte. Para o autor, trata-se de uma forma de olhar, de analisar,  que busca compreender as elaborações artísticas de um autor partindo das possíveis relações que se estabelecem entre sua obra e suas experiências ao longo da vida. Segundo esta concepção  “A psicobiografia é a arte e a forma de relatar, de analisar uma obra de arte em função daquilo que o artista viveu em sua infância; portanto, se possível, desde o berço.”(p. 122)
No entanto, considerando suas pesquisas embasadas em material artístico que resultaram no livro Metamorfoses e Símbolos da Líbido de 1912, Jung contraria a forma de análise freudiana, particularmente no que se refere a primazia da sexualidade enquanto orientadora do desenvolvimento comportamental dos indivíduos. Para ele cada um de nós confronta-se com uma animalidade, com uma libido inicialmente feita de pulsões indiferenciadas e portanto anterior ao complexo de Édipo e à descoberta da diferença entre os sexos e suas relações.  Assim, ao refletir sobre suas experiências estéticas rejeita a psicobiografia, acreditando ser ela demasiado casualista e aberta, construída a partir do método de associações livres[1] e pondera a necessidade da pausa, de um olhar mais detido e permissivo para a obra de arte, para que seja possível encontrar as palavras ou imagens conscientes derivadas do encontro entre sua subjetividade e a objetividade de um autor em sua obra. Segundo GAILLARD,

“Em vez de precipitar-se sobre a obra armado com algum conhecimento preestabelecido, ele determina primeiramente um tempo de pausa, tão longo quanto necessário, para, então, deixar que apareça o que interiormente se apresenta a ele quando descobre uma obra[2]. [Para Jung, o termo que designa este primeiro momento de relação com uma obra de arte,  é “deixar acontecer”]“Deixar acontecer” implica também deixar-se impressionar, permitir que a obra se apresente diante de você e em você, dar-lhe espaço e, então, abrir sua percepção e sua consciência para que as impressões, as sensações e os sentimentos venham, gradualmente, à superfície ou imponham-se o mais emocionalmente quanto possível (...) [Desta forma] Ver com Jung a obra como um novo acontecimento, mas inscrito num motivo, numa estrutura, ao mesmo tempo preexistente e a devir, é praticar uma abordagem simultaneamente fenomenológica e estrutural: a psicanálise junguiana da arte é uma prática da surpresa, e é fenomenológica e estrutural, uma vez que nos torna atentos à reincidência, bem como à evolução e às transformações de representações típicas que nos vêm de longe, do mais distante de nós mesmos, bem como do legado sempre ativo, arquetípico, de nossa história coletiva. (p.126)

 Neste sentido, a análise da arte não está  limitada as associações biográficas  se constrói em uma perspectiva complexa que considera uma série de aspectos,  uma série de ângulos onde mitos e rituais se ligam pela temática a representação. Neste ponto GAILLARD discute a relação entre as experiências estéticas e as experiências religiosas uma vez que em ambos o casos, trata-se da vivência de um processo que para Jung refere-se justamente aos sentidos arcaicos da palavra religião, “(...)de re-ligere ou de re-legere, que significa “reler atentamente, observar, analisar, reconsiderar e refletir”.  “(p.128)
            Dito isto e para concluir[3], o autor nos convida a refletir sobre as experiencias  do próprio Jung  nas diversas linguagens artísticas  particularmente aquelas das artes plásticas. Segundo o autor, Jung, inicialmente sem saber muito o que fazia, adentra o mundo da elaboração artistica transformando este  “espaço” em presença permanente e acessível  em vários momentos cruciais de sua vida. Com base nestas experiências elabora um método chamado “imaginação ativa”; segundo o qual, por meio da arte e da livre expressão, considera ser possível um dialogo entre as imagens e impressões que habitam nosso inconsciente. Assim,  foi
“(...) preciso participar corajosa e pessoalmente de sua relação com o inconsciente, de sua própria capacidade de expressão, de representação e de dramatização.(...) [De modo que] desde então, muito de seu trabalho como analista consistirá em conjugar, num mesmo movimento de pesquisa, o trabalho das mãos e o do pensamento. Portanto, o de dar forma (ele fala, em alemão, de Gestaltung), e o de compreender (Verstehen).” (p.131/132)
             


[1] Para Jung “A prática das “associações livres” tem a vantagem de deixar vir o fluxo, via de regra imprevisto, dos pensamentos, das sensações, dos sentimentos, das intuições que seguem seu curso em nós. Mas, justamente, são “livres” demais para realmente avaliar o que está diante de nós, para aceitar o choque do encontro com uma obra.”
[2] Dito de outro modo: “É preciso também estar disposto a se perder, pelo menos temporariamente, a nada entender, e aceitar, portanto, que se extingam as luzes que até então haviam marcado o caminho a seguir.” (p.139)
[3] Christian Gaillard apresenta extenso material sobre suas reflexões a cerca da iconografia que inspira e influencia a obra de Jung. 

Referências: GAILLARD, Christian. Pro-Posições, Campinas, v. 21, n. 2 (62), p. 121-148, maio/ago. 2010. O texto completo está disponível aqui

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