Boa tarde queridos leitores amigos! Primeiramente, depois de dois meses de férias: (colocando algumas leituras em dia e me atrasando em tantas outras) Um feliz recomeço para todos nós! Que este ano se faça de luz! Bem, bem, como já devem ter percebido terminamos o ano e começamos um novo falando, lendo, refletindo sobre os escritos do prof. dr. Carl Gustav Jung. Embora esteja temerosa de parecer repetitiva, continuo sendo fiel a ideia de divulgar seus escritos, dadas as potencialidades que eles carregam para refletirmos sobre a crise da sociedade contemporânea e as formas de reencontro que podem levar a sua superação.
Entre outros assuntos, como o título sugere, este blog se orienta principalmente por questões das áreas de arte e educação. Assim, trago-lhes hoje algumas considerações das leituras de Christian Gaillard sobre as relações que se estabelecem entre a biografia de Jung, o pensamento e a prática da psicologia analítica e a arte. GAILLARD é analista junguiano e professor de psicanálise da arte na França e este texto foi traduzido por Marisa Rossetto e revisado pela profa. dra. Ana Angelica Albano.
As imagens que ilustram a postagem são do pintor surrealista francês Yves Tanguy (1900-1955), que juntamente com as obras de Picasso foram as principais referências reflexivas da arte contemporânea para Jung.
Boa leitura e bons dias!
Abraços,
Lorena Oliveira
_______________________________
Jung
e a Arte
Resenha
“(...)para Jung, a
arte nos precede. E nos faz viver o que, muitas vezes, se encontra fora de
nosso alcance.” (p. 131)
Este
artigo pretende refletir sobre as possíveis
aproximações entre os campos da arte e da psicologia analítica de Carl
Gustav Jung. Segundo o autor, a relação
que se estabelece entre Jung e a arte, vai para além de uma psicologia
“aplicada”, de uma psicologização da arte; para construir-se a partir da
reflexão sobre a história e de sua própria experiência com a arte.
Christian
Gaillard inicia suas considerações referindo-se ao livro de Freud, Leonardo da
Vinci e uma lembrança de sua infância, como o fundador da perspectiva que estabelece
relações entre a psicanálise e a arte. Para o autor, trata-se de uma forma de
olhar, de analisar, que busca
compreender as elaborações artísticas de um autor partindo das possíveis
relações que se estabelecem entre sua obra e suas experiências ao longo da
vida. Segundo esta concepção “A
psicobiografia é a arte e a forma de relatar, de analisar uma obra de arte em
função daquilo que o artista viveu em sua infância; portanto, se possível,
desde o berço.”(p. 122)
No
entanto, considerando suas pesquisas embasadas em material artístico que
resultaram no livro Metamorfoses e Símbolos da Líbido de 1912, Jung contraria a
forma de análise freudiana, particularmente no que se refere a primazia da
sexualidade enquanto orientadora do desenvolvimento comportamental dos
indivíduos. Para ele cada um de nós confronta-se com uma animalidade, com uma
libido inicialmente feita de pulsões indiferenciadas e portanto anterior ao
complexo de Édipo e à descoberta da diferença entre os sexos e suas relações. Assim, ao refletir sobre suas experiências
estéticas rejeita a psicobiografia, acreditando ser ela demasiado casualista e
aberta, construída a partir do método de associações livres[1] e
pondera a necessidade da pausa, de um olhar mais detido e permissivo para a
obra de arte, para que seja possível encontrar as palavras ou imagens
conscientes derivadas do encontro entre sua subjetividade e a objetividade de
um autor em sua obra. Segundo GAILLARD,
“Em
vez de precipitar-se sobre a obra armado com algum conhecimento preestabelecido,
ele determina primeiramente um tempo de pausa, tão longo quanto necessário,
para, então, deixar que apareça o que interiormente se apresenta a ele quando descobre
uma obra[2]. [Para
Jung, o termo que designa este primeiro momento de relação com uma obra de
arte, é “deixar acontecer”]“Deixar
acontecer” implica também deixar-se impressionar, permitir que a obra se
apresente diante de você e em você, dar-lhe espaço e, então, abrir sua percepção
e sua consciência para que as impressões, as sensações e os sentimentos venham,
gradualmente, à superfície ou imponham-se o mais emocionalmente quanto possível
(...) [Desta forma] Ver com Jung a obra como um
novo acontecimento, mas inscrito num motivo, numa estrutura, ao mesmo tempo
preexistente e a devir, é praticar uma abordagem simultaneamente fenomenológica
e estrutural: a psicanálise junguiana da arte é uma prática da surpresa,
e é fenomenológica e estrutural, uma vez que nos torna atentos à
reincidência, bem como à evolução e às transformações de representações típicas
que nos vêm de longe, do mais distante de nós mesmos, bem como do legado sempre
ativo, arquetípico, de nossa história coletiva. (p.126)
Neste sentido, a análise da arte não está limitada as associações biográficas se
constrói em uma perspectiva complexa que considera uma série de aspectos, uma série de ângulos onde mitos e rituais se
ligam pela temática a representação. Neste ponto GAILLARD discute a relação
entre as experiências estéticas e as experiências religiosas uma vez que em
ambos o casos, trata-se da vivência de um processo que para Jung refere-se
justamente aos sentidos arcaicos da palavra religião, “(...)de re-ligere ou de re-legere, que significa
“reler atentamente, observar, analisar, reconsiderar e refletir”. “(p.128)
Dito
isto e para concluir[3], o
autor nos convida a refletir sobre as experiencias do próprio Jung nas diversas linguagens artísticas
particularmente aquelas das artes plásticas. Segundo o autor, Jung,
inicialmente sem saber muito o que fazia, adentra o mundo da elaboração
artistica transformando este “espaço” em
presença permanente e acessível em
vários momentos cruciais de sua vida. Com base
nestas experiências elabora um método chamado “imaginação ativa”; segundo o
qual, por meio da arte e da livre expressão, considera ser possível um dialogo
entre as imagens e impressões que habitam nosso inconsciente. Assim, foi
“(...) preciso participar corajosa e pessoalmente de sua
relação com o inconsciente, de sua própria capacidade de expressão, de
representação e de dramatização.(...) [De modo que] desde então, muito de seu
trabalho como analista consistirá em conjugar, num mesmo movimento de pesquisa,
o trabalho das mãos e o do pensamento. Portanto, o de dar forma (ele fala, em
alemão, de Gestaltung), e o de compreender (Verstehen).” (p.131/132)
[1]
Para Jung “A prática das “associações livres” tem a
vantagem de deixar vir o fluxo, via de regra imprevisto, dos pensamentos, das
sensações, dos sentimentos, das intuições que seguem seu curso em nós. Mas,
justamente, são “livres” demais para realmente avaliar o que está diante de
nós, para aceitar o choque do encontro com uma obra.”
[2]
Dito de outro modo: “É preciso também estar
disposto a se perder, pelo menos temporariamente, a nada entender, e aceitar,
portanto, que se extingam as luzes que até então haviam
marcado o caminho a seguir.” (p.139)
Nenhum comentário:
Postar um comentário