segunda-feira, 26 de novembro de 2012

#Resenha# Cap. 2. Os mitos antigos e os homens modernos. Joseph Henderson

caravaggio Bons dias amigos leitores! Continuando o caminho que vem surgindo a partir das leituras e releituras dos livros escritos pelo sr. Carl Gustav Jung, do encantamento reflexivo rico que elas tem me proporcionado e da crescente necessidade de divulgar e ampliar o conhecimento relativo as teorias e conceitos da psicologia análitica, a resenha de hoje foi elaborada com base no capítulo escrito pelo dr. Joseph Henderson. Trata-se do segundo capítulo do livro O Homem e seus Símbolos e nele o autor vai propor a reflexão sobre as especificidades do mito do hecaravaggioarói, dos ritos iniciáticos e dos símbolos de transcêndencia a partir da perspectiva que relaciona as mitologias e ritos primitivos as particularidades do homem contemporâneo. 

As imagens que ilustram esta postagem são do pintor italiano Michelangelo Merisi de Caravaggio (1571-1610).

Abraços,

Lorena Oliveira

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Cap. 2. Os mitos antigos e os homens modernos

Joseph Henderson

O primeiro ponto desta comunicação chama-se “Os símbolos eternos” e relaciona-se, como é possível supor, as imagens arquetípicas conforme formuladas pelo prof. Carl Gustav Jung. Salientando os estudos que contribuíram para a ampliação do campo de análise dos símbolos, particularmente a antropologia; parte-se de uma concepção que rejeita a hipótese de não haver relação entre os mitos e imagens primitivos e nossa moderna civilização. Segundo o autor, eles permanecem interligados, em suas palavras:

“Como o Dr. Jung assinalou no capítulo anterior, a mente humana tem sua história própria e a psique retem muitos traços dos estágios anteriores da evolução. (…) os conteúdos do inconsciente exercem sobre a psique uma influência formativa. [gerada a partir ] (…) do 'inconsciente coletivo', - isto é, a parte da psique que retém e transmite a herança psicológica comum a humanidade. [assim] (…) as analogias entre os mitos antigos e as histórias que surgem nos sonhos dos pacientes de agora não são analogias triviais e nem acidentais. Existem porque a mente inconsciente do homem moderno conserva a faculdade de fazer símbolos, antes expressos através de crenças dos rituais primitivos. “(p.105-107)

Dito isto, HENDERSON se propõe a explorar os símbolos antigos e primitivos e suas relações com as simbologias modernas1.

Sobre o mito do herói

“O mito do herói é o mais comum e o mais conhecido em todo o mundo. Encontramo-lo na mitologia clássica da Grécia e de Roma, na Idade Média, no Extremo oriente e entre as tribos primitivas contemporâneas. (…) Ouvimos repetidamente a mesma história do herói de nascimento humilde, mas milagroso, provas de sua força sobre-humana precoce, sua ascensão rápida ao poder e a notoriedade, sua luta triunfante contra as forças do mal, sua falibilidade ante a tentação do orgulho (hybris) e seu declínio, por motivo de traição ou por um ato de sacrifício “heroico”, onde sempre morre” (p.110)

HENDERSON salienta o papel e o significado psicológico deste esquema2 para a elaboração de uma personalidade integrada (construção através da qual será possível ao ego superar suas tendências regressivas) e de uma identidade coletiva, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade no seu todo. Em suas palavras “ (…) é atribuição essencial do mito heroico desenvolver no indivíduo a consciência do ego – o conhecimento de suas próprias forças e fraquezas – de maneira a deixá-lo preparado para as difíceis tarefas que a vida lhe há de impor.”(p.112)3

Para melhor explicar seu entendimento a respeito deste mito e seus diversos ciclos e simbologias, o autor utiliza como exemplo as constatações do Dr. Paul Radin elaboradas a partir do estudo da prosa épica da tribo dos índios Winnebagos (norte-americanos), publicadas em 1948 com o título de O Ciclo Heróico dos Winnebagos. Assim, tendo em vista o principal objetivo desta comunicação, qual seja o de destacar as relações existentes entre as mitologias antigas e o homem moderno; o autor prossegue expondo as possíveis relações entre o sonho de um de seus pacientes e os ciclos heroicos conforme elaborados pelos Winnebagos.

Convém ressaltar, em acordo com os princípios do dr. Carl Jung, que

“Não se deve concluir do que dissemos, ou de havermos escolhido o mito Winnebago para esclarecer o sentido deste sonho, que se procure encontrar paralelos mecânicos absolutos e exatos entre um sonho e os materiais que a mitologia nos fornece. Cada sonho é um processo particular individual, e a forma definida que toma é determinada pelas condições do sonhador.(...) [Ressalte-se também que] Este e muitos outros exemplos do mito do herói nos sonhos do homem moderno mostram que o ego, quando age como herói, é sempre um condutor de cultura, muito mais do que um exibicionista egocêntrico.(...) Trata-se de uma referência à forma de evolução criadora que começa, evidentemente, numa escala de existência pré-consciente, infantil ou animal. [De modo que] A ascensão do ego ao estado de ação consciente efetiva torna-se clara no mito do verdadeiro herói da cultura. Da mesma maneira [que], o ego infantil ou adolescente liberta-se da opressão das ambições paternas e encontra sua própria individualidade. [Note-se que] Do ponto de vista psicológico, a imagem do herói não deve ser considerada idêntica ao ego propriamente dito. Trata-se, antes, do meio simbólico pelo qual o ego se separa dos arquétipos evocados pelas imagens dos pais na sua primeira infância.” (p.123; 126; 128)

O arquétipo de iniciação

Tendo em vista que o processo criativo de construção da personalidade, conforme descrito anteriormente, não acontece automaticamente e requer períodos de transição, o autor passa a refletir sobre o arquétipo de iniciação e sua diversidade expressiva.

De acordo com os postulados do dr. Carl Jung, o autor nos diz que

“(...) cada ser humano possui, originalmente, um sentimento de totalidade, isto é, um sentido poderoso e completo do self. E é do self (o si-mesmo) – a totalidade da psique – que emerge a consciência individualizada do ego à medida que o indivíduo cresce. (...)[Ressalte-se que] Esta separação nunca poderá ser absoluta sem lesar, gravemente, o sentido original de totalidade. [Assim] (…) o ego precisa voltar atrás, continuamente para reestabelecer suas relações com o self, de modo a conservar sua saúde psíquica.” (p. 128)

Neste sentido, partindo de suas pesquisas sobre os acontecimentos que marcam o aparecimento do ego individual na transição da infância para a meninice, HENDERSON acredita que o arquétipo do herói é a primeira etapa nesta diferenciação. Responsável pela elaboração das primeiras vivências do indivíduo em uma construção que permita o exercício autônomo de sua personalidade; a elaboração do mito do herói relaciona-se, particularmente, ao rompimento com a autoridade impositiva dos pais e seria desintegradora caso não fosse seguida dos ritos de iniciação4.

Estes, em sua diversidade de expressões, tem o “papel” de possibilitar o estabelecimento de um “novo” equilíbrio, cuja função principal é introduzir e organizar a relações entre as necessidades do indivíduo e as demandas e restrições da comunidade na qual está inserido para além de seu núcleo familiar; restabelecendo assim o sentimento de totalidade da psique uma vez que as funções específicas da autoridade paterna passam a ser representadas pela identidade coletiva da comunidade. Nas palavras de HENDERSON:

“(...) o grupo satisfaz as exigências do arquétipo que foi lesado e torna-se uma espécie de segundo pai ou mãe, aos quais o jovem é simbolicamente sacrificado, renascendo numa nova vida5. (…) Em outras palavras, a sua identidade é temporariamente destruída ou dissolvida no inconsciente coletivo.” (p.130) possibilitando o “retorno” do ego para o sentido totalizante do self; necessário a manutenção da saúde psiquica. Segundo o autor, “Toda nova fase de desenvolvimento de uma vida humana é acompanhada por uma repetição do conflito original entre as exigencias do self e as do ego. (…) [e é] Nesses períodos críticos [que] o arquétipo de iniciação é fortemente ativado a fim de promover uma transição significativa (…) [Embora varie grandemente em suas formas expressivas seu ] propósito permanece sempre o mesmo: criar uma atmosfera de morte simbólica, de onde vai surgir um estado de espírito simbólico de renascimento. ” (p.131-132)

Para ilustrar suas considerações HENDERSON apresenta sonhos de seus pacientes relacionados, particularmente, aos rituais iniciáticos do casamento.6

Símbolos de trascendencia

A seguir, HENDERSON afirma, de acordo com as considerações do dr. Carl Jung, que os símbolos de transcendência dizem respeito a “(...) 'função transcendente da psique', através da qual o homem pode alcançar sua mais elevada finalidade: a plena realização das potencialidades do seu self (ou ser).| Assim os 'símbolos de transcendência' são aqueles que representam a luta do homem para alcançar seu objetivo. Fornecem os meios através dos quais os conteúdos do inconsciente podem penetrar no consciente e são também, eles próprios, uma expressão ativa destes conteúdos.” (p.151) tornando a experiência de vida para o indivíduos mais rica e plena. “É aquele momento descrito por T. S. Eliot em 'The Waste Land' (Terra Deserta), quando se enfrenta O terrível destemor de um instante de abandono que uma vida inteira de prudência jamais pode apagar.” (p.154)

Após discorrer longamente sobre os símbolos de transcendência, HENDERSON conclui suas considerações destacando a dificuldade enfrentada pelo homem contemporâneo ao lidar ou refletir sobre as simbologias manifestas em seus sonhos, assim como em relação a vivência da equilibração entre seus aspectos conscientes e inconscientes. Para ele, a resposta para a dificuldade enfrentada frente a ambivalência da vida consiste em encontrar um ponto de encontro entre a amplitude e necessidade de contenção do self e a liberação e consequente necessidade de contenção do ego. “Assim, todo indivíduo tem possibilidade de reconciliar os elementos conflitantes da sua personalidade: pode chegar a um equilibrio que o faça de fato um ser humano e também, verdadeiramente o seu próprio dono. “ (p.157)

Notas

1Convém ressaltar que não se pretende aqui esgotar a tematica (tendo em vista a amplitude dos estudos e as diversas áreas que se relacionam a simbologia antiga e primitiva), mas somente introduzir os assuntos conforme expostos pelo autor.

2“Como regra geral, pode-se dizer que a necessidade de símbolos heróicos surge quando o ego necessita fortificar-se – isto é, quando o consciente requer ajuda para uma tarefa que não pode executar só ou sem uma aproximação das fontes de energia do inconsciente.” (p.123)

3Referindo-se ao mito completo do herói: “(...) em que se descreve minuciosamente o ciclo total do seu nascimento até a sua morte. (…) é importante reconhecermos que em cada fase deste ciclo a história do herói toma formas particulares que se aplicam a determinado ponto alcançado pelo indivíduo no desenvolvimento da sua consciência do ego e também aos problemas específicos com que se defronta a um dado momento. Isto é, a imagem do herói evolui de maneira a refletir cada estágio de evolução da personalidade humana.” (p.112)

4“Há uma diferença marcante entre o mito do herói e o rito de iniciação. As figuras típicas de heróis esgotam suas forças para obter o que ambicionam; em resumo, alcançam sucesso, mesmo que logo depois sejam punidos ou mortos por sua hybris [(vaidade)]. Na iniciação, ao contrário, o noviço deve renunciar a toda ambição e a qualquer aspiração, para então submeter-se a uma prova. Deve aceitar esta prova sem esperança de obter sucesso.” (p.131) Neste sentido, “O tema da submissão como uma atitude essencial ao sucesso do rito de iniciação pode ser claramente percebido quando se trata de meninas ou de mulheres. O seu rito de transição demonstra, a princípio, a sua passividade absoluta, reforçada pela limitação psicológica à sua autonomia que lhes é imposta pelo ciclo menstrual.”(p.132)

5“O ritual, seja de grupos tribais ou de sociedades mais complexas, insiste sempre neste rito de morte e renascimento, isto é, um “rito de passagem” de uma fase da vida para a outra, seja da infância para a meninice ou do início para o final da adolescência e daí para a maturidade.” (p.130)

6Para figurar, por exemplo, o rompimento da mulher com a autoridade masculina imposta pelo pai e a necessidade de equilibrio entre seus aspectos femininos e masculinos, o autor faz uso dos esquemas expostos no conto de fadas conhecido como A Bela e a Fera. Segundo ele “O mistério inerente a estes contos encontra uma aplicação universal não apenas nos mitos históricos mais importantes como também nos ritos pelos quais o mito se expressa, ou de onde deriva.”(p.141)

Referências:

JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos.

Google Imagens

Para ouvir Radiohead - King of Limbs

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