segunda-feira, 18 de março de 2013

[Resenha] Zygmunt Bauman.VII. A arte pós-moderna, ou a impossibilidade da vanguarda.

Boa tarde amigos! Primeiramente gostaria de pedir desculpas pela última postagem ser tão antiga... começo de ano não tem jeito, milhões de coisas para fazer, relatórios para terminar, projetos com data de entrega e tudo o mais que faz parte da vida de todos nós, mortais...  Assim, hoje deixo a resenha de um capítulo muito interessante (considerando, claro, os gostos deste blog) do livro O mal-estar da pós-modernidade do sociólogo Zygmunt Bauman, publicado em 1998. Trata-se do capítulo VII, intitulado A arte pós-moderna, ou a impossibilidade da vanguarda; onde o autor nos propõe refletir sobre as especificidades da arte (ou mesmo da percepção de sua destruição) contemporânea de forma a (quem sabe) resgatar e ampliar o entendimento da arte como importante veículo de expressão e mudança social.  
Sem muitas delongas, ao final do texto deixo o link para o filme Tempos Modernos de 1936 do multi-artista britânico Charlie Chaplin! Boa leitura, bom filme! 

Abraços, 

Lorena Oliveira 





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  1. A arte pós-moderna, ou a impossibilidade da vanguarda.
Resenha

Bauman principia este capítulo descrevendo a necessária condição, em relação as formas de se ordenarem espaço e tempo, para que seja possível compreender a ideia de vanguarda e do uso errôneo que dela se faz na contemporaneidade. O autor descreve a vanguarda como um “espaço” diferente no tempo, que precede e prepara o “campo” para um “espaço” maior. Por se tratarem de espaços que se seguem

(...) não faz muito sentido falar de vanguarda no mundo pós-moderno. Certamente, o mundo pós-moderno é qualquer coisa menos imóvel – tudo, nesse mundo, está em movimento. Mas os movimentos parecem aleatórios, dispersos e destituídos de direção bem delineada (primeiramente, e antes de tudo, uma direção cumulativa (..) ninguém prepara o caminho para os outros, ninguém espera que os outros venham em seguida.”(p.121/-22)

Neste sentido, ao se pensar no movimento da arte ao longo do período que se convencionou chamar modernidade, estamos falando de uma arte que se produziu com a finalidade de questionar e demonstrar o inconformismo quanto ao não cumprimento das promessas estabelecidas como bases fundantes do movimento moderno; principalmente aquelas que se referiam a negação da tradição enquanto forma de organização já obsoleta para o momento. Assim,

(...) todos olhavam para a condição presente das artes com nojo e aversão, todos eram críticos a propósito do papel atualmente atribuído as artes na sociedade, todos zombavam do passado e ridicularizavam os cânones que este acalentava, todos teorizavam a respeito de seus próprios recursos, atribuindo um sentido histórico mais profundo as suas realizações artísticas; todos seguiram o modelo dos movimentos revolucionários, preferiram agir coletivamente, criaram e coordenaram irmandades semelhantes e seitas, discutiram ardentemente programas comuns e escreveram manifestos; todos olharam para o reino além da arte propriamente dito, encarando as artes e os artistas como tropas avançadas do exército do progresso, precursoras coletivas do tempo ainda por vir, esquemas preliminares do movimento universal do amanhã – e às vezes um aríete destinado a pulverizar as barreiras empilhadas no caminho da história. “ (p. 123)

Paradoxalmente, a vanguarda que deveria então preparar os caminhos para o progresso, acabou por se estagnar em um movimento continuo de negação e desconstrução. Ao mesmo tempo em que consideravam a importância de serem “aceitos” pela sociedade, sentiam-se traindo o movimento cuja base principal era a negação de qualquer concretização que pudesse impedir a transformação e o progresso rápido e constante da sociedade.
Segundo Bauman, para além da cooptação da arte pelo mercado, fato motivado por sua dupla potencialidade, a de chocar e a de conferir distinção, em um contexto de desintegração das distinções/ identidades conferidas por herança; um dos principais “resultados” deste estado paradoxal criado pelo movimento modernista, foi a constatação

(…) de que os mais avançados destacamentos das classes intelectuais europeias empreenderam um esforço combinado de excluir as massas da cultura: de que a função essencial da arte moderna era dividir o público em duas classes – a que pode compreender e a que não pode. [Assim] (…) A arte de vanguarda foi absorvida e assimilada não pelos que (sob sua influência nobilitadora) se voltaram para o credo que ela ensinava, mas para aquelas pessoas que desejavam aquecer-se na glória refletida do recôndito, exclusivo e elitista.” (p.125-26)

Outro de seus resultados, pode-se dizer, tem sido a própria desintegração da arte. Uma vez atingido o limite natural de destruição de paradigmas e da possibilidade de expansão da experiência modernista, chegamos ao fim da arte. Citando Humberto Eco, trata-se da tela em branco ou rasgada, de galerias vazias, músicas silenciosas e poemas que habitam folhas em branco.
Neste contexto, retomando a ideia de contradição exposta no princípio do capítulo, de acordo com Bauman não é adequado falar de uma arte de vanguarda pós moderna uma vez que na contemporaneidade não é mais possível distinguir limites claros entre o que seja o futuro e o presente; assim como, a exacerbação do individualismo, principal de suas características, impede a construção e a manutenção de “grupos de liderança”, que preparem o terreno na área. Em seu entendimento, tal se dá por que

Num cenário em que a sincronia toma o lugar da diacronia, a co-presença toma o lugar da sucessão e o presente perpétuo toma o lugar da história, a competição domina (…) E, quando a competição domina, há pouco espaço ou tempo deixado para a ação de grupo, confraria de ideias, escolas disciplinares e disciplinadoras – todas essas “forças de associação e alinhamentos confinantes” (…) Há pouco espaço, portanto, para normas e cânones coletivamente negociados e coletivamente proclamados. (…) Onde buscar, portanto, a condição característica das artes no universo pós-moderno e pós-vanguarda?” (p.127-28)

Como forma contundente de encerrar este capítulo, para Bauman, a resposta está na intersecção proporcionada por uma forma de reflexão complexa, que busca construir seu entendimento sobre o tema partindo da necessária diferenciação da proposta de arte moderna em relação a arte pós-moderna; assim como, da elucidação da concepção que entende a arte contemporânea, refletindo o contexto no qual está inserida, como uma simulacro auto-suficiente e não mais como forma de representação1. Como dito anteriormente, a arte moderna esteve fortemente atrelada a construção de grupos de pesquisa e proposição cujos principais objetivos eram romper com a tradição de forma a impulsionar a revolução das ideias e da sociedade rumo ao ideal de um futuro melhor. No entanto,

As artes pós-modernas alcançaram um grau de independência da realidade não-artística com que seus antecessores modernistas só podiam sonhar. Mas há um preço a ser pago por essa liberdade sem precedentes  o preço é a renúncia à ambição de indicar as novas trilhas para o mundo. [De modo que se respeite] (…) o direito ao autogoverno e à auto-afirmação, sem cortar os laços com a vida social e renunciar ao direito de influenciar o seu curso.”(p.130)

Notas
1“A esse respeito, as artes partilharam a situação da cultura pós-moderna como um todo – que, como Jean Baudrillard o exprimiu, é uma cultura de simulacro e não de representação. (…) (A simulação, como insiste Baudrillard, não é falsificadora ou falsa pretensão; é, antes, parecida com a doença psicossomática, em que as dores do paciente são inteiramente reais e a pergunta sobre se sua moléstia também é real não faz muito sentido.” (p. 129)

Referências

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro; Jorge Zahar Ed., 1998.



Para assistir: Tempos Modernos - Charlie Chaplin

Imagens: Google.





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