Boa tarde amigos! Primeiramente gostaria de pedir desculpas pela última postagem ser tão antiga... começo de ano não tem jeito, milhões de coisas para fazer, relatórios para terminar, projetos com data de entrega e tudo o mais que faz parte da vida de todos nós, mortais... Assim, hoje deixo a resenha de um capítulo muito interessante (considerando, claro, os gostos deste blog) do livro O mal-estar da pós-modernidade do sociólogo Zygmunt Bauman, publicado em 1998. Trata-se do capítulo VII, intitulado A arte pós-moderna, ou a impossibilidade da vanguarda; onde o autor nos propõe refletir sobre as especificidades da arte (ou mesmo da percepção de sua destruição) contemporânea de forma a (quem sabe) resgatar e ampliar o entendimento da arte como importante veículo de expressão e mudança social.
Sem muitas delongas, ao final do texto deixo o link para o filme Tempos Modernos de 1936 do multi-artista britânico Charlie Chaplin! Boa leitura, bom filme!
Abraços,
Lorena Oliveira
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- A arte pós-moderna, ou a impossibilidade da vanguarda.
Resenha
Bauman principia este capítulo descrevendo a necessária condição, em
relação as formas de se ordenarem espaço e tempo, para que seja
possível compreender a ideia de vanguarda e do uso errôneo que dela
se faz na contemporaneidade. O autor descreve a vanguarda como um
“espaço” diferente no tempo, que precede e prepara o “campo”
para um “espaço” maior. Por se tratarem de espaços que se
seguem
“(...)
não faz muito sentido falar de vanguarda no mundo pós-moderno.
Certamente, o mundo pós-moderno é qualquer coisa menos imóvel –
tudo, nesse mundo, está em movimento. Mas os movimentos parecem
aleatórios, dispersos e destituídos de direção bem delineada
(primeiramente, e antes de tudo, uma direção cumulativa (..)
ninguém prepara o caminho para os outros, ninguém espera que os
outros venham em seguida.”(p.121/-22)
Neste
sentido, ao se pensar no movimento da arte ao longo do período que
se convencionou chamar modernidade, estamos falando de uma arte que
se produziu com a finalidade de questionar e demonstrar o
inconformismo quanto ao não cumprimento das promessas estabelecidas
como bases fundantes do movimento moderno; principalmente aquelas que
se referiam a negação da tradição enquanto forma de organização
já obsoleta para o momento. Assim,
“(...)
todos olhavam para a condição presente das artes com nojo e
aversão, todos eram críticos a propósito do papel atualmente
atribuído as artes na sociedade, todos zombavam do passado e
ridicularizavam os cânones que este acalentava, todos teorizavam a
respeito de seus próprios recursos, atribuindo um sentido histórico
mais profundo as suas realizações artísticas; todos seguiram o
modelo dos movimentos revolucionários, preferiram agir coletivamente,
criaram e coordenaram irmandades semelhantes e seitas, discutiram
ardentemente programas comuns e escreveram manifestos; todos olharam
para o reino além da arte propriamente dito, encarando as artes e os
artistas como tropas avançadas do exército do progresso,
precursoras coletivas do tempo ainda por vir, esquemas preliminares
do movimento universal do amanhã – e às vezes um aríete
destinado a pulverizar as barreiras empilhadas no caminho da
história. “ (p. 123)
Paradoxalmente,
a vanguarda que deveria então preparar os caminhos para o
progresso, acabou por se estagnar em um movimento continuo de negação
e desconstrução. Ao mesmo tempo em que consideravam a importância
de serem “aceitos” pela sociedade, sentiam-se traindo o movimento
cuja base principal era a negação de qualquer concretização que
pudesse impedir a transformação e o progresso rápido e constante da
sociedade.
Segundo
Bauman, para além da cooptação da arte pelo mercado, fato motivado
por sua dupla potencialidade, a de chocar e a de conferir distinção,
em um contexto de desintegração das distinções/ identidades
conferidas por herança; um dos principais “resultados” deste
estado paradoxal criado pelo movimento modernista, foi a constatação
“(…)
de que os mais avançados destacamentos das classes intelectuais
europeias empreenderam um esforço combinado de excluir as massas da
cultura: de que a função essencial da arte moderna era dividir o
público em duas classes – a que pode compreender e a que não
pode. [Assim] (…) A arte de vanguarda foi absorvida e assimilada
não pelos que (sob sua influência nobilitadora) se voltaram para o
credo que ela ensinava, mas para aquelas pessoas que desejavam
aquecer-se na glória refletida do recôndito, exclusivo e elitista.”
(p.125-26)
Outro
de seus resultados, pode-se dizer, tem sido a própria desintegração
da arte. Uma vez atingido o limite natural de destruição de
paradigmas e da possibilidade de expansão da experiência
modernista, chegamos ao fim da arte. Citando Humberto Eco, trata-se
da tela em branco ou rasgada, de galerias vazias, músicas
silenciosas e poemas que habitam folhas em branco.
Neste
contexto, retomando a ideia de contradição exposta no princípio
do capítulo, de acordo com Bauman não é adequado falar de uma
arte de vanguarda pós moderna uma vez que na contemporaneidade não
é mais possível distinguir limites claros entre o que seja o futuro
e o presente; assim como, a exacerbação do individualismo,
principal de suas características, impede a construção e a
manutenção de “grupos de liderança”, que preparem o terreno na
área. Em seu entendimento, tal se dá por que
“Num
cenário em que a sincronia toma o lugar da diacronia, a co-presença
toma o lugar da sucessão e o presente perpétuo toma o lugar da
história, a competição domina (…) E, quando a competição
domina, há pouco espaço ou tempo deixado para a ação de grupo,
confraria de ideias, escolas disciplinares e disciplinadoras –
todas essas “forças de associação e alinhamentos confinantes”
(…) Há pouco espaço, portanto, para normas e cânones coletivamente negociados e coletivamente proclamados. (…) Onde
buscar, portanto, a condição característica das artes no universo
pós-moderno e pós-vanguarda?” (p.127-28)
Como
forma contundente de encerrar este capítulo, para Bauman, a
resposta está na intersecção proporcionada por uma forma de
reflexão complexa, que busca construir seu entendimento sobre o tema
partindo da necessária diferenciação da proposta de arte moderna
em relação a arte pós-moderna; assim como, da elucidação da
concepção que entende a arte contemporânea, refletindo o contexto
no qual está inserida, como uma simulacro auto-suficiente e não
mais como forma de representação1.
Como dito anteriormente, a arte moderna esteve fortemente atrelada a
construção de grupos de pesquisa e proposição cujos principais
objetivos eram romper com a tradição de forma a impulsionar a
revolução das ideias e da sociedade rumo ao ideal de um futuro
melhor. No entanto,
“As
artes pós-modernas alcançaram um grau de independência da
realidade não-artística com que seus antecessores modernistas só
podiam sonhar. Mas há um preço a ser pago por essa liberdade sem precedentes o preço é a renúncia à ambição de indicar as
novas trilhas para o mundo. [De modo que se respeite] (…) o direito
ao autogoverno e à auto-afirmação, sem cortar os laços com a vida
social e renunciar ao direito de influenciar o seu curso.”(p.130)
Notas
1“A
esse respeito, as artes partilharam a situação da cultura
pós-moderna como um todo – que, como Jean Baudrillard o exprimiu,
é uma cultura de simulacro e
não de representação. (…)
(A simulação, como insiste Baudrillard, não é falsificadora ou
falsa pretensão; é, antes, parecida com a doença psicossomática,
em que as dores do paciente são inteiramente reais e a pergunta
sobre se sua moléstia também é real não faz muito sentido.”
(p. 129)
Referências
BAUMAN,
Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro; Jorge Zahar
Ed., 1998.
Para assistir: Tempos Modernos - Charlie Chaplin
Imagens: Google.
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