sábado, 16 de fevereiro de 2013

{Resenha} Cap.4.“Desenvolvimento ou Estrutura”. Oscar Cirino


Boas tardes amigos leitores e parceiros de pensamentos sobre a vida e a educação! 
Como já devem ter percebido, as discussões e resenhas trazidas ao blog estão relacionadas a uma leitura de mundo que se constrói a partir da escola psicanalítica fundada por  Sigmund Freud em fins do séc. XIX, início do séc. XX. Trata-se, fundamentalmente, de "tentar" compreender a psique humana em todas as suas especificidades, partindo da compreensão e da aceitação do inconsciente como parte constituinte desta estrutura. Assim, seguindo a orientação proposta pela teoria da complexidade conforme elaborada por Edgar Morin; embora partilhe das idéias e concepções formuladas por C. G. Jung; considero importante conhecer o pensamento de teóricos que se originam, ou tem a psicanalise como forma de leitura do mundo. Além de Jung, tratamos aqui de algumas premissas básicas do pensamento de Winnicott; trazendo hoje algumas considerações sobre o pensamento de Jacques Lacan, conforme entendidas pelo psicanalista  Oscar Cirino em seu livro Psicanálise e Psiquiatria com Crianças de 2001, e re-entendidas por mim. 
Por conta de Jacques Lacan ter sido apresentado a psicanalise através da estética surrealista, as imagens que ilustram a postagem são de um dos pintores mais importantes e conhecidos desta escola, o espanhol Salvador Dalí (1904-1989). 

Boa leitura!!!

Abraços,

Lorena Oliveira
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Cap.4. Desenvolvimento ou estrutura.

Resenha
 Pode-se dizer que o texto, de forma geral ou como sugere o título do capítulo, esteja estruturado com o objetivo de apresentar os fundamentos da psicanálise (tendo em vista a criança) partindo primeiro de uma teoria baseada no desenvolvimento, seus defensores e suas limitações; para em seguida nos apresentar a teoria estrutural conforme elaborada e defendida por Lacan1.
Partindo então de uma base desenvolvimentista da psicanálise, pode-se justifica-la pensando no tratamento dado a algumas idéias de Freud, que a elas se referiu como “fases do desenvolvimento libidinal”, onde a estágio final do desenvolvimento psicossexual seria o “ponto de chegada” do desenvolvimento; Melaine Klein com os “estádios de conflito édipico e da formação do superego”; e até mesmo Lacan (crítico ferrenho da concepção desenvolvimentista) com o “estádio do espelho”.
O ponto inicial desta abordagem seriam Jean Piaget e Henri Wallon, ao proporem uma teoria dos estádios de desenvolvimento, o que ocasionou (erroneamente) uma relação entre o desenvolvimento cognitivo e os desenvolvimentos psicomotor e emocional. O que ambos propõem seria uma construção do psiquismo tendo como base a dialética do indivíduo com seu meio e não a realização progressiva de funções pré-determinadas, como defendem os desenvolvimentistas. Os estádios do desenvolvimento são, por eles descritos, como operacionais, buscando definir níveis funcionais e ocorreriam segundo uma ordem de aquisição interna e não cronológica. 
Em relação as teorias de Freud, como já foi dito, a referência principal que viabilizou a perspectiva desenvolvimentista relaciona-se a teoria da libido; suas noções de fixação (ponto ao qual a criança retornaria em momentos onde não consegue superar o obstáculo emocional ao qual está sendo sujeita) e regressão (“ato” de voltar ao ponto de fixação) admitem uma apreensão cronológica da realidade psíquica.
Através destes pressupostos alguns autores (além dos já citados) defendem a matriz desenvolvimentista na obra de Freud. Osório em 1975 propõe que um quadro normal de evolução psíquica estaria relacionado a um número reduzido de regressões, contato constante do indivíduo com a realidade e o equilíbrio entre a agressividade e a libido. Guilleraut parte dos estados patológicos, onde há a necessidade de se traçar o “desenvolvimento” do sintoma para se chegar a cura de modo que

... essa perspectiva de um desenvolvimento é verdadeiramente, para Freud, o que vem agenciar, ordenar a compreensão e a operatividade de sua prática. É nela, de fato, que funda sua compreensão fina da patologia...”(1996)

Dentre eles, Karl Abraham (1925) talvez seja o principal responsável pela difusão da ideia desenvolvimentista em psicanálise, para ele o desenvolvimento psicossexual estaria intimamente relacionado ao desenvolvimento orgânico do sujeito.
Embora a primeira base de sua ideia na teoria psicanalítica seja um estágio de desenvolvimento infantil (“estádio do espelho”), Lacan foi um dos principais críticos a interpretação desenvolvimentista da obra de Freud, alegando que se não levarmos em conta a lógica que conduz seus escritos realmente podemos “entende-los” segundo a premissa desenvolvimentista; há em Lacan o início da concepção estrutural da psicanálise.
Este nos apresenta o “estádio do espelho” como momento estruturante da construção da realidade e formador da função do eu, que ocorreria entre os seis e os dezoito meses. Para Lacan a formação do eu ocorre quando da identificação do sujeito infans com a própria imagem especular e de sua identificação com o outro. Tendo em vista a “imaturidade” do bebê humano e sua necessidade do outro, este se encontraria em uma “encruzilhada estrutural” ao pensar em sua unidade corporal em relação aos outros.
Lacan também nega a existência de um “ponto de chegada” na ideia de desenvolvimento psicossexual (onde ocorreria o encontro do sujeito com o objeto), já que o objeto de satisfação do sujeito seria constantemente reencontrado, tendo como base aquele primeiro da satisfação infantil; além do essa ideia negaria a articulação simbólica da sexualidade humana.
Em relação ao estruturalismo (preponderância do todo sobre as partes, estas só fazem sentido a medida que constituem um todo) podemos traçar um paralelo entre seus fundamentos e o materialismo dialético (em relação há necessidade do outro para a construção de significados que serão internalizados e resignificados pelo indivíduo) defendido por Vygotsky, já que não há um processo de “maturação” igual para todos (fato ocorrente também na aquisição da linguagem), o desenvolvimento cede lugar a história. Para Lacan o mais importante na construção do sujeito é o caráter conflitivo da relação dual, É a dialética da demanda de amor e de experiência do desejo que se ordena o desenvolvimento.” (1958)

Neste sentido, em 1988 J-Alain Miller estabeleceu algumas características fundamentais para a apreensão do estruturalismo proposto por Lacan:

1° Concepção de uma ideia de cadeia, já que temos a necessidade de que um elemento remeta a outro para que haja significado;
“A definição dos elementos, uns em relação aos outros, supõe seu conjunto, conjunto de definições correlativas”;
3° É impossível captar um elemento sem remete-lo a outro (binarismo), função do outro;
4° Ideia de “falta”, a lei não é a identidade, mas a falta de identidade. Esta vai sendo “construída” e os elementos a encontram fora de si, nas relações com o outro (problemática da identificação);
5° O fundamental são as relações.
Portanto,

Essa concepção de um sujeito dependente do significante, descentrado, não idêntico a si mesmo é, segundo Lacan, um princípio teórico fundamental para que, em psicanálise, se distinga o “inconsciente do instinto ou do instintivo – do arcaico ou do primevo, numa ilusão denunciada por Claude Lévi-Strauss – ou então do genético de um pretenso desenvolvimento” (1998[1964], p.845)

Todas as idéias em torno da evolução tem como premissa principal o desenvolvimento no decorrer do tempo. Neste ponto Lacan utiliza-se de uma idéia de tempo estruturado em torno de articulações lógicas e não cronológicas. Portanto o tempo não atua só de forma linear, há processos inversos como a retroação e a antecipação. Através de um paralelo entre inconsciente e linguagem podemos entender a retroação como o “presente que afeta o passado” na medida em que só atribuímos sentido “total” (tendo em vista um contexto) as palavras iniciais de uma frase quando chegamos a última; enquanto que a antecipação seria o “futuro que afeta o presente” na medida em que as palavras inicias de uma frase vão se ordenando de modo a antecipar seu sentido total. Portanto as mudanças de “posição” do sujeito ocorrem no enquadre do tempo, mas não graças a ele. “Trata-se de um outro tempo, no qual a ação de um se ordena pela do outro: “o tempo intersubjetivo que estrutura a ação humana”. (Lacan,1998[1953],p.288)
Neste sentido Elsa Coriat considera que há um preconceito por parte dos lacanianos em relação a noção de desenvolvimento e às pesquisas genéticas, o que para ela não seria negado por Lacan, já que este teria dedicado grande número de páginas em sua obra a importância das pesquisas genéticas tendo em vista que os tempos lógicos são os mesmos na constituição de qualquer sujeito mas variam cronologicamente. Marie-Jean Sauret também apresenta a importância de se considerar o momento em que o sujeito se encontra quando de sua exploração da estrutura já que está não ocorre cronologicamente.
Com base nessas idéias conclui-se então que é perfeitamente possível negar a ideia de existência da “criança” no inconsciente, tendo em vista ela ser uma variante cronológica formulada em diferentes períodos ao longo da história enquanto que o inconsciente constitui-se em um tempo de ordenação lógica dependendo do outro. Assim, este texto propõe pensar a criança no campo do desejo e do prazer advindo de sua realização.

Notas

1Jacques-Marie Émile Lacan (Paris,13 de abrilde1901Paris,9 de setembrode1981) foi um psicanalista francês.

Referências

CIRINO, Oscar. Psicanálise e Psiquiatria com crianças : desenvolvimento ou estrutura. – Belo Horizonte: Autêntica, 2001. (p.95 - 120)

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