Boas tardes amigos leitores e parceiros de pensamentos sobre a vida e a educação!
Como já devem ter percebido, as discussões e resenhas trazidas ao blog estão relacionadas a uma leitura de mundo que se constrói a partir da escola psicanalítica fundada por Sigmund Freud em fins do séc. XIX, início do séc. XX. Trata-se, fundamentalmente, de "tentar" compreender a psique humana em todas as suas especificidades, partindo da compreensão e da aceitação do inconsciente como parte constituinte desta estrutura. Assim, seguindo a orientação proposta pela teoria da complexidade conforme elaborada por Edgar Morin; embora partilhe das idéias e concepções formuladas por C. G. Jung; considero importante conhecer o pensamento de teóricos que se originam, ou tem a psicanalise como forma de leitura do mundo. Além de Jung, tratamos aqui de algumas premissas básicas do pensamento de Winnicott; trazendo hoje algumas considerações sobre o pensamento de Jacques Lacan, conforme entendidas pelo psicanalista Oscar Cirino em seu livro Psicanálise e Psiquiatria com Crianças de 2001, e re-entendidas por mim.
Por conta de Jacques Lacan ter sido apresentado a psicanalise através da estética surrealista, as imagens que ilustram a postagem são de um dos pintores mais importantes e conhecidos desta escola, o espanhol Salvador Dalí (1904-1989).
Boa leitura!!!
Abraços,
Lorena Oliveira
________________________________________________Cap.4. Desenvolvimento ou estrutura.
Resenha
Pode-se dizer que o texto, de forma geral ou como sugere o título do capítulo, esteja estruturado com o objetivo de apresentar os fundamentos da psicanálise (tendo em vista a criança) partindo primeiro de uma teoria baseada no desenvolvimento, seus defensores e suas limitações; para em seguida nos apresentar a teoria estrutural conforme elaborada e defendida por Lacan1.
Partindo
então de uma base desenvolvimentista da psicanálise, pode-se
justifica-la pensando no tratamento dado a algumas idéias de Freud,
que a elas se referiu como “fases do desenvolvimento libidinal”,
onde a estágio final do desenvolvimento psicossexual seria o “ponto
de chegada” do desenvolvimento; Melaine Klein com os “estádios
de conflito édipico e da formação do superego”; e até mesmo
Lacan (crítico ferrenho da concepção desenvolvimentista) com o
“estádio do espelho”.
O
ponto inicial desta abordagem seriam Jean Piaget e Henri Wallon, ao
proporem uma teoria dos estádios de desenvolvimento, o que ocasionou
(erroneamente) uma relação entre o desenvolvimento cognitivo e os
desenvolvimentos psicomotor e emocional. O que ambos propõem seria
uma construção do psiquismo tendo como base a dialética do
indivíduo com seu meio e não a realização progressiva de funções
pré-determinadas, como defendem os desenvolvimentistas. Os estádios
do desenvolvimento são, por eles descritos, como operacionais,
buscando definir níveis funcionais e ocorreriam segundo uma ordem de
aquisição interna e não cronológica.
Em
relação as teorias de Freud, como já foi dito, a referência
principal que viabilizou a perspectiva desenvolvimentista
relaciona-se a teoria da libido; suas noções de fixação (ponto ao
qual a criança retornaria em momentos onde não consegue superar o
obstáculo emocional ao qual está sendo sujeita) e regressão (“ato”
de voltar ao ponto de fixação) admitem uma apreensão cronológica
da realidade psíquica.
Através destes pressupostos alguns
autores (além dos já citados) defendem a matriz desenvolvimentista
na obra de Freud. Osório em 1975 propõe que um quadro normal de
evolução psíquica estaria relacionado a um
número reduzido de regressões, contato constante do indivíduo com
a realidade e o equilíbrio entre a
agressividade e a libido. Guilleraut parte dos estados patológicos,
onde há a necessidade de se traçar o “desenvolvimento”
do sintoma para se chegar a cura de modo que
“...
essa perspectiva de um desenvolvimento é verdadeiramente, para
Freud, o que vem agenciar, ordenar a compreensão
e a operatividade de sua prática. É nela, de fato, que funda sua
compreensão fina da patologia...”(1996)
Dentre
eles, Karl Abraham (1925) talvez seja o principal responsável pela
difusão da ideia desenvolvimentista em psicanálise, para ele o
desenvolvimento psicossexual estaria intimamente relacionado ao
desenvolvimento orgânico do sujeito.
Embora
a primeira base de sua ideia na teoria
psicanalítica
seja um estágio de desenvolvimento
infantil (“estádio do espelho”), Lacan foi um dos principais
críticos a interpretação desenvolvimentista da obra de Freud,
alegando que se não levarmos em conta a lógica que conduz seus
escritos realmente podemos “entende-los” segundo a premissa
desenvolvimentista; há em Lacan o início da concepção estrutural
da psicanálise.
Este
nos apresenta o “estádio do espelho” como momento estruturante
da construção da realidade e formador da função do eu, que
ocorreria entre os seis e os dezoito meses. Para Lacan a formação
do eu ocorre quando da identificação do sujeito infans
com a própria imagem especular e de sua identificação com o outro.
Tendo em vista a “imaturidade” do bebê humano e sua necessidade
do outro, este se encontraria em uma “encruzilhada estrutural” ao
pensar em sua unidade corporal em relação aos outros.
Lacan
também nega a existência de um “ponto de chegada” na ideia de
desenvolvimento psicossexual (onde ocorreria o encontro do sujeito
com o objeto), já que o objeto de satisfação do sujeito seria
constantemente reencontrado, tendo como base aquele primeiro da
satisfação infantil; além do essa ideia
negaria a articulação simbólica da sexualidade humana.
Em
relação ao estruturalismo (preponderância do todo sobre as partes,
estas só fazem sentido a medida que constituem um todo) podemos
traçar um paralelo entre seus fundamentos e o materialismo dialético
(em relação há necessidade do outro para a construção de
significados que serão internalizados e resignificados pelo
indivíduo) defendido por Vygotsky, já que não há um processo de
“maturação” igual para todos (fato ocorrente também na
aquisição da linguagem), o desenvolvimento cede lugar a história.
Para Lacan o mais importante na construção do sujeito é o caráter
conflitivo da relação dual, “É
a dialética da demanda de amor e de experiência do desejo que se
ordena o desenvolvimento.” (1958)
Neste
sentido, em 1988 J-Alain Miller estabeleceu algumas características
fundamentais para a apreensão
do estruturalismo proposto por Lacan:
1°
Concepção
de uma ideia de cadeia, já que temos a necessidade de que um
elemento remeta a outro para que haja significado;
2°
“A
definição dos elementos, uns em relação aos outros, supõe seu
conjunto, conjunto de definições correlativas”;
3°
É impossível
captar um elemento sem remete-lo a outro (binarismo), função do
outro;
4°
Ideia
de “falta”, a lei não é a identidade, mas a falta de
identidade. Esta vai sendo “construída” e os elementos a
encontram fora de si, nas relações com o outro (problemática da
identificação);
5°
O fundamental são
as relações.
Portanto,
“Essa
concepção de um sujeito dependente do significante, descentrado,
não idêntico
a si mesmo é, segundo Lacan, um princípio teórico fundamental para
que, em psicanálise,
se distinga o “inconsciente
do instinto ou do instintivo – do arcaico ou do primevo, numa
ilusão denunciada por Claude Lévi-Strauss – ou então do genético
de um pretenso desenvolvimento” (1998[1964], p.845)
Todas
as idéias em torno da evolução tem como premissa principal o
desenvolvimento no decorrer do tempo. Neste ponto Lacan utiliza-se de
uma idéia de tempo estruturado em torno de articulações lógicas e
não cronológicas. Portanto o tempo não atua só de forma linear,
há processos inversos como a retroação e a antecipação. Através
de um paralelo entre inconsciente e linguagem podemos entender a
retroação como o “presente que afeta o passado” na medida em
que só atribuímos sentido “total” (tendo em vista um contexto)
as palavras iniciais de uma frase quando chegamos a última; enquanto
que a antecipação seria o “futuro que afeta o presente” na
medida em que as palavras inicias de uma frase vão se ordenando de
modo a antecipar seu sentido total. Portanto as mudanças de
“posição” do sujeito ocorrem no enquadre do tempo, mas não
graças a ele. “Trata-se
de um outro tempo, no qual a ação de um se ordena pela do outro: “o
tempo intersubjetivo que estrutura a ação humana”.
(Lacan,1998[1953],p.288)
Neste
sentido Elsa Coriat considera que há um preconceito por parte dos
lacanianos em relação a noção de desenvolvimento e às pesquisas
genéticas, o que para ela não seria negado por Lacan, já que este
teria dedicado grande número de páginas em sua obra a importância
das pesquisas genéticas tendo em vista que os tempos lógicos são
os mesmos na constituição de qualquer sujeito mas variam
cronologicamente. Marie-Jean Sauret também apresenta a importância
de se considerar o momento em que o sujeito se encontra quando de sua
exploração da estrutura já que está não ocorre cronologicamente.
Com
base nessas idéias conclui-se então que é perfeitamente possível
negar a ideia de existência da “criança” no inconsciente,
tendo em vista ela ser uma variante cronológica formulada em
diferentes períodos ao longo da história enquanto que o
inconsciente constitui-se em um tempo de ordenação lógica
dependendo do outro. Assim, este texto propõe pensar a criança no
campo do desejo e do prazer advindo de sua realização.
Notas
1Jacques-Marie
Émile Lacan (Paris,13
de abrilde1901—
Paris,9
de setembrode1981)
foi um psicanalista
francês.
Referências
CIRINO, Oscar. Psicanálise e Psiquiatria com crianças : desenvolvimento ou estrutura. – Belo Horizonte: Autêntica, 2001. (p.95 - 120)
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