segunda-feira, 12 de novembro de 2012

{Resenha] Cap1. Chegando ao Inconsciente. Carl G. Jung.

Turner 4 Bom dia amigos que frequentam este blog!! Conforme disse na postagem passada, eis a resenha do primeiro capítulo do livro O Homem e seus Símbolos, concebido e organizado pelo sr. dr. Carl G. Jung. Nele o autor apresenta seus principais conceitos e concepções. Com objetivo de divulgar e popularizar sua obra, este livro foi elaborado para ser lido por qualquer pessoa sem a necessidade de ter conhecimentos prévios na área. Ricamente ilustrado ele é composto por uma série de artigos escritos por pesquisadores e parceiros próximos a Jung e vai tratar da importância de se considerarem as diversas formas de manifestação do inconsciente, para além do reducionismo racionalista proposto pelas ciências modernas e seus desenvolvimentos, na elaboração de uma psique saudável e integrada. Muitos questionarão a pertinência de sua leitura, tendo em vista o contexto no qual foi escrito; mas sou daquelas que acredita que para modificar o presente e construir o futuro é fundamental conhecer o passado. Então, a todos os interessados em ampliar seus conhecimentos em relação a elaboração simbolica, a arte e o desenvolvimento integral dos indivíduos, eu recomendo a leitura deste clássico.

turner 1 turner 2 Turner 3 Turner 5

As imagens são do pintor londrino Joseph Mallord William Turner (1775-1851).

Abraços,

Lorena Oliveira

_________________________________________________________________________________

“E desde de então o mundo sofre de esquizofrenia.”

Carl Gustav Jung

Jung inicia este capítulo destacando a importância de se diferenciarem os conceitos e entendimentos relacionados as ideias de signo e de símbolo. Em suas palavras, os signos

“Apesar de não terem nenhum sentido intrínseco, alcançaram, pelo seu uso generalizado ou por intenção deliberada, significação reconhecida. Não são símbolos, são sinais e servem, apenas, para indicar os objetos aos quais estão ligados. O que chamamos símbolo é um termo, um nome, ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diária, embora possua conotações especiais além do seu significado evidente e convencional. (…) Assim, uma palavra ou imagem é simbólica quando implica alguma coisa além de seu significado manifesto e imediato.” (p.20)1

Segundo o autor: “(...) este uso consciente que fazemos de símbolos é apenas um aspecto de um fato psicológico de grande importância: o homem também produz símbolos inconsciente e espontaneamente na forma de sonhos.”(p.21). Entendendo o símbolo como elaboração cuja existência está atrelada (de alguma forma) a dificuldade/impossibilidade humana de compreender integralmente a totalidade dos fenômenos que compõem a existência2; Jung destaca que: assim como existem limites e dificuldades para a apreensão/compreensão humana da realidade, o indivíduo também os encontrará ao se dedicar a apreensão/compreensão do material inconsciente manifesto pela simbologia de seus sonhos3 e salienta que, mesmo assim,“(...) é preciso entendê-la se quisermos conhecer mais a respeito dos métodos de trabalho da mente humana.” (idem)

Desta forma, somos levados a considerar a existência de aspectos inconscientes também na nossa percepção da realidade. Segundo o autor,

“O primeiro deles é o fato de que, mesmo quando nossos sentidos reagem a fenômenos reais, as sensações visuais e auditivas, tudo isto, de certo modo, é transposto da esfera da realidade para a da mente. Dentro da mente estes fenômenos tornam-se acontecimentos psíquicos cuja natureza extrema nos é desconhecida (pois a psique não pode conhecer a própria substância)”. (p.23)

Um segundo aspecto, como dito anteriormente, diz respeito a incapacidade de percebermos a realidade em sua totalidade. O terceiro refere-se aos fenômenos dos quais não tomamos consciência num primeiro momento; sendo absorvidos subliminarmente, “Só podemos percebê-los nalgum momento de intuição ou por um processo de intensa reflexão que nos leve a subsequente realização de que devem ter acontecido.” (idem) Neste sentido, os símbolos manifestos através dos sonhos possibilitam a “comunicação” de aspectos inconscientes de um acontecimento4.

Dito isto, Jung se propõe a afirmar a existência do inconsciente, particularmente a partir da análise dos sonhos, destacando que “É uma das maldições do homem moderno esta divisão de personalidades.” (idem) já que a psique (personalidade) humana só se constitui de forma integral a partir da consideração de seus aspectos conscientes e de seus aspectos inconscientes. Segundo autor:

“(...) temos argumentos lógicos de bastante peso para rejeitarmos afirmações como “não existe inconsciente” etc. os que fazem este tipo de declaração estão expressando um velho misoneísmo – o medo do que é novo e desconhecido. [De modo que] Há motivos históricos para essa resistência a ideia de que existe uma parte desconhecida na psique humana. A consciência é uma aquisição muito recente da natureza e ainda está num estágio “experimental”. É frágil, sujeita a ameaças de perigos específicos e facilmente danificável. (…) É [portanto] sob esta perspectiva que devemos examinar a importância dos sonhos5 – fantasias inconscientes, evasivas, precárias, vagas e incertas do nosso inconsciente.” (p.24-25)

A seguir, tendo em vista pesquisas desenvolvidas nas mais diversas áreas, particularmente referindo-se a antropologia, e sua extensa experiência clinica; afim de ampliar o entendimento sobre a existência e os conteúdos da mente inconsciente Jung traça um panorama histórico sobre a evolução e os desenvolvimentos na área6.. Ao destacar os sonhos como material de investigação acaba chegando a conclusão de que para além de um caminho que se pode seguir, a partir do método de livre associação desenvolvido por S. Freud, por exemplo; com objetivo de conhecer os meandros do inconsciente,

“(...) os sonhos tem uma significação própria, mesmo quando provocados por alguma perturbação emocional em que estejam também envolvidos os complexos7 habituais do indivíduo. (...) [Sendo assim] Preferi, antes, concentrar-me nas associações com o próprio sonho, convencido de que o sonho expressaria o que de específico o inconsciente estivesse tentando dizer. [de forma] (...) que para conhecer e entender a organização psíquica da personalidade global de uma pessoa é importante avaliar quão relevante é a função de seus sonhos e imagens simbólicas.” (p.27-28)8

Ressalta-se que assim como o método de livre associação de palavras e demais metodologias utilizadas por psicólogos em seus processos de trabalho, os sonhos também tem seus limites de “comunicação”, significado e interpretação.

O passado e o futuro no inconsciente

Esboçados os principais fatores que levaram Jung ao desenvolvimento de suas concepções, o autor destaca dois pontos essenciais em relação ao trabalho de análise que se desenvolve com base nos sonhos: “(...) em primeiro lugar, o sonho deve ser tratado como um fato a respeito do qual não se fazem suposições prévias, a não ser a de que ele tem um certo sentido; em segundo lugar, é necessário aceitarmos que o sonho é uma expressão específica do inconsciente.” (p.32)

Ao referir-se as ligações que a mente inconsciente estabelece com a mente consciente, o autor faz uso de uma série de exemplos para ilustrar esta relação9. Estes, em sua grande maioria, dizem respeito a episódios de esquecimento momentâneo como quando em meio a um discurso esquecemos uma palavra ou o nome de um amigo.

Pode-se dizer que os esquecimentos ocorrem pelos mais diversos motivos e necessariamente quando a mente consciente modifica seu foco de atenção provocando uma perda de energia por parte de imagens, pensamentos e impressões, de modo que “Parte do inconsciente consiste (…) em uma profusão de pensamentos, imagens e impressões provisoriamente ocultos e que, apesar de terem sido perdidos, continuam a influenciar nossas mentes conscientes” (p.33) subliminarmente10. Segundo Jung, “'Esquecer', neste sentido, é normal e necessário para dar lugar na nossa consciência a novas ideias e impressões. Se tal não acontecesse, toda a nossa experiência permaneceria acima do limiar da consciência e nossas mentes ficariam insuportavelmente atravancadas.” (p.37)

Dito isto, Jung destaca que

“Assim como o conteúdo consciente pode se desvanecer no inconsciente, novos conteúdos que nunca foram conscientes, podem emergir.; (…) além de memórias de um passado consciente longínquo, também pensamentos inteiramente novos e ideias criadoras podem surgir do inconsciente – ideias e pensamentos que nunca foram conscientes. [De modo que] (…) as imagens e ideias contidas nos sonhos não podem ser explicadas apenas em termos de memória; expressam pensamentos novos que ainda não chegaram ao limiar da consciência. (p.37-39)

A Função do Sonho11

Jung inicia esse ponto de sua comunicação retomando a reflexão a cerca da dificuldade enfrentada pelos indivíduos ao realizarem a análise de sonhos uma vez que “Como não fazem sentido em termos de nossa experiência diurna normal12, há uma tendência ou para ignorá-los ou para nos confessarmos desorientados e confundidos.”(p.40) Segundo o autor, é importante considerar a totalidade da mente, tendo em vista a intersecção de seus aspectos conscientes e inconscientes, a medida em que para cada “ocorrência” da mente consciente há um elemento de sentido inconsciente; mesmo que não nos seja possível perceber esse “movimento”, dado seu caráter subliminar. Note-se que

“Esses aspectos subliminares de tudo o que nos acontece parecem ter pouca importância em nossa vida diária. Mas na análise dos sonhos, onde os psicólogos se ocupam das expressões do inconsciente, são aspectos relevantes, pois se constituem nas raízes quase invisíveis dos nossos pensamentos conscientes.(p.42)

Neste ponto, com base em estudos antropológicos, Jung faz uma importante afirmação no que diz respeito a flexibilidade expressiva13 do pensamento nos povos primitivos já que “(...)no mundo primitivo, as coisas não tem fronteiras tão rígidas como as das nossas sociedades “racionais”. (p. 45) e ambos os aspectos da mente encontram espaço para se manifestarem. Tendo em vista os sentimentos de “mal-estar” e desintegração vivenciados pelos indivíduos em nossa sociedade14, pode-se dizer que o autor faz uma crítica ao racionalismo exacerbado da sociedade ocidental contemporânea ao dizer que

“Estamos de tal modo habituados à natureza aparentemente racional do nosso mundo que dificilmente podemos imaginar que nos aconteça alguma coisa impossível de ser explicada pelo bom senso comum. [De modo que] Os receios que nascem de nossa elaborada civilização podem ser muito mais ameaçadores do que os atribuídos pelos povos primitivos aos demônios. (…) A emoção conservou-se a mesma mas, a um tempo, o nome e a natureza de seu objeto mudaram para pior. (…) na nossa vida civilizada despojamos tanto as ideias da sua energia emocional que já não reagimos mais a elas. Usamos estas ideias nos nossos discursos, reagimos convencionalmente quando outros também as utilizam, mas elas não nos causam uma impressão profunda. É necessário haver alguma coisa mais eficaz para que mudemos de atitude ou de comportamento. (…) [Com isso] Não estou querendo negar as grandes conquistas que nos trouxe a evolução da sociedade civilizada, mas tais conquistas realizaram-se as custas de enormes perdas, cuja extensão mal começamos a avaliar. (…) Se, por um instante, considerarmos a humanidade como um só indivíduo verificaremos que a raça humana lembra uma pessoa arrebatada por forças inconscientes. (...)[e] Exatamente por isto devíamos examinar com mais atenção o que fazemos, pois a humanidade hoje em dia está ameaçada por perigos mortais criados por ela mesma e que já escapam ao seu controle.” (p.45-51; 85)15

Neste sentido e contrário a ideia elaborada por Freud de que as imagens e associações oníricas, análogas a ideias, mitos e ritos primitivos; são “resíduos arcaicos”, reafirma a função e importância dos sonhos ao dizer que estes

“Constituem uma ponte entre a maneira por que transmitimos conscientemente os nossos pensamentos e uma forma de expressão mais primitiva, mais colorida e pictórica. E é esta forma, também, que apela diretamente a nossa sensibilidade e à nossa emoção. Essas associações “históricas” são o elo entre o mundo racional da consciência e o mundo do instinto. (...) [Desta forma] A função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira sutil, o equilíbrio psíquico total.”(p.47-49)

Há que se ressaltar que os símbolos manifestos nos sonhos, considerando sua função de intersecção “equilibrante” entre os aspectos conscientes e inconscientes; são indissociáveis do individuo que os “criou”.

A análise dos sonhos16

Retomando a ideia exposta no começo desta comunicação, qual seja a diferença entre o signo e o símbolo; ao referir-se a este último, Jung agora salienta sua condição de produto natural e espontâneo uma vez que “Ninguém pode tornar um pensamento mais ou menos racional, a que chegou por conclusão lógica ou por intenção deliberada, e dar-lhe forma simbólica. Não importa de que adornos extravagantes se ornamente uma tal ideia – ela vai manter-se apenas um sinal associado ao pensamento consciente que significa, e nunca um símbolo a sugerir coisas desconhecidas.” (p.55)

Dito isto, convém ressaltar que os símbolos não se manifestam apenas através dos sonhos mas em todo os tipos de manifestações psíquicas de modo que “Existem pensamentos e sentimentos simbólicos, situações e atos simbólicos.” (idem); fato este que nos leva a outro ponto essencial de suas concepções, ao dar conta de símbolos que não tem origem em um indivíduo, mas, pelo contrário, se constroem (são elaborados) de modo coletivo.

Neste ponto Jung inicia uma longa digressão sobre sua relação com S. Freud e a análise de um sonho seu em específico, para salientar o importante papel que a subjetividade desempenha (considerando as subjetividades do paciente e as de seu psicologo) nos processos analíticos. Em sua concepção, a análise dos sonhos “É menos uma técnica que se pode aprender e aplicar de acordo com as regras do que uma permuta dialética entre duas personalidades.”(p.57)

O problema dos tipos

Quanto a questão dos símbolos coletivos e da objetividade em um processo analítico, Jung a coloca relacionada a possibilidade de se estabelecerem comparações entre as conclusões deste processo (originadas a partir da análise das simbologias características de um indivíduo) e os padrões considerados válidos pela sociedade na qual o indivíduo (paciente) está inserido. Ressalta-se que não se pretende

“(...) um nivelamento coletivo do indivíduo para ajustá-lo às normas da sua sociedade, já que tal procedimento levá-lo-ia a uma condição totalmente artificial. [Uma vez que] Uma sociedade saudável e normal é aquela em que as pessoas habitualmente entram em divergência, desde que um acordo geral é coisa rara de existir fora da esfera das qualidades humanas instintivas.” (p.59)

Mesmo assim, considerando o papel que as generalizações desempenham na constituição, e mesmo na possibilidade de elaborarmos e compartilharmos teorias, inicialmente o autor cria sua tipologia, dividindo os indivíduos em personalidades extrovertidas e introvertidas17. Dada a generalidade de tais conceitos Jung se propõe a buscar outras particularidades básicas capazes de ajudar a por alguma ordem18 nas diferenças, aparentemente ilimitadas, da individualidade humana. Assim, surgem quatro tipos19 definidos segundo as características dominantes que prevalecem em uma dada personalidade. Em suas palavras

“Esses quatro tipos funcionais correspondem às quatro formas evidentes, através das quais a consciência se orienta em relação à experiência. A sensação (isto é, a percepção sensorial) nos diz que alguma coisa existe; o pensamento mostra-nos o que é esta coisa; o sentimento20 revela se ela é agradável ou não; e a intuição dirnos-á de onde vem e para onde vai. (…) [Note-se que] Quando uso a palavra “sentimento” em oposição a “pensamento” refiro-me a uma apreciação, a um julgamento de valores - por exemplo, agradável ou desagradável, bom ou mau, etc. O sentimento, de acordo com esta definição, não é uma emoção (que é involuntária) . O sentir, na significação que dou à palavra (como pensar) é uma função racional (isto é, organizadora) enquanto a intuição é uma função irracional (isto é, perceptiva) . Na medida em que a intuição é um palpite , não será, logicamente , produto de um ato voluntário; é, antes, um fenômeno involuntário - que depende de diferentes circunstâncias externas e internas - e não um ato de julgamento. A intuição é mais uma percepção sensorial que, por sua vez, também é um fenômeno irracional, já que depende essencialmente de estímulos objetivos oriundos de causas físicas e mentais.” (p.61)

A seguir Jung retoma o destaque dado a conduta do psicologo, no que se refere a importância de se considerarem os pacientes como indivíduos únicos, cuja análise dos sonhos e símbolos produz significados(sentidos) que estão atrelados única e exclusivamente a sua personalidade e estados de espírito.

O arquétipo no simbolismo do sonho

Como dito anteriormente, os sonhos desempenham um papel de compensação cuja função principal é equilibrar as forças entre os aspectos conscientes e os aspectos inconscientes da mente; sendo, portanto, manifestações normais da psique. Ao considerar a ocorrência de sonhos com grande carga emocional ou repetições obsessivas, Jung chama a atenção para as“(...) formas mentais cuja presença não encontra explicação alguma na vida do indivíduo e que parecem, antes, formas primitivas e inatas, representando uma herança do espirito humano.(...) refiro-me ao desenvolvimento biológico, pré-histórico e inconsciente da mente no homem primitivo, cuja psique estava muito próxima a dos animais”(p.66)

Neste sentido, assim como nosso corpo se fundamenta no que podemos chamar de um molde anatômico dos mamíferos em geral, nossa mente também apresenta estes “moldes/modelos”, expressos na arte e na mitologia (por exemplo), que se transmitem e revitalizam ao longo das gerações, chamados por Jung de arquétipos ou imagens primordiais. Segundo seu entendimento

“O termo “arquétipo”21 é muitas vezes mal compreendido, julgando-se que expressa certas imagens ou motivos mitológicos definidos. [mas] (…) O arquétipo é uma tendência para formar estas mesmas representações de um motivo - representações que podem ter inúmeras variações de detalhes – sem perder a sua configuração original. (…) [Note-se então, que] O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva, tão marcada quanto o impulso das aves para fazer seu ninho ou o das formigas para se organizarem em colonias.(...) A sua origem não é conhecida; e eles se repetem em qualquer época e em qualquer lugar do mundo – mesmo onde não é possível explicar a sua transmissão por descendência direta ou por “fecundações cruzadas” resultantes da migração. (…) Deve-se ter originado fora da tradição histórica, em fontes psíquicas a muito esquecidas e que, desde os tempos pré-históricos, tem alimentado [por exemplo] a especulação religiosa e filosófica a respeito da vida e da morte. [de modo que] (…) as estruturas arquetípicas não são apenas formas estáticas, mas fatores dinâmicos que se manifestam por meio de impulsos, tão espontâneos quanto os instintos. ”(p.67-68; 75; 77)22

A alma do homem

Neste ponto Jung sinaliza para o fato (já mencionado) de que mesmo que nas modernas civilizações os indivíduos se afastam cada vez mais de seus instintos em nome de uma racionalidade extremada, estes não deixam de existir, “aparecendo” em seu cotidiano nas mais diversas formas. Em suas palavras, os instintos “(...) apenas perderam contato com a consciência, sendo obrigados a afirmar-se de maneira indireta. Podem fazê-lo através de sintomas físicos (no caso de uma neurose) ou por meio de incidentes de vários tipos, como humores inexplicáveis, esquecimentos inesperados ou lapsos de palavra.”(p. 83)

Ampliando esta ideia, sem esquecer o contexto da Guerra Fria e a polarização fundamental que a constituiu; o autor sugere refletirmos sobre a moderna sociedade ocidental como se ela fosse um indivíduo. Neste sentido, também nossa sociedade nega seus aspectos inconscientes, instintivos, inexplicáveis potencializando a força de uma “sombra” irracional23; que não desaparece ou desaparecerá somente porque assim o quer nosso consciente racional. Em seu entendimento

“(...) a vida do homem consiste de um complexo24 de fatores antagônicos inexoráveis: o dia e a noite, o nascimento e a morte, a felicidade e o sofrimento, o bem e o mal. Não nos resta nem a certeza de que um dia um destes fatores vai prevalecer sobre o outro, que o bem vai se transformar em mal, ou que a alegria há de derrotar a dor. A vida é uma batalha. Sempre foi e sempre será. E se tal não acontecesse ela chegaria ao fim.”(p.86)

Desta forma, foi esse conflito interior do homem que fez surgir, para Jung, a capacidade de simbolizar como instinto que se atrela aos demais em nossa constituição enquanto “animais humanos” e portanto, que deve ser considerado/vivenciado tanto quanto possível assim como comer e descansar sob o risco de morrer o organismo. Refletindo sobre o “papel” da religião25, dos mitos, da arte e da poesia, da filosofia, dos sonhos e de sua possível irrealidade ou confusão, o autor nos diz que há

“(...) um forte argumento empírico a nos estimular ao cultivo dos pensamentos que não se podem provar. É que são pensamentos e ideias reconhecidamente uteis26. O homem realmente precisa de ideias gerais e convicções que lhe deem um sentido à vida e lhe permitam encontrar o seu lugar no mundo. Pode suportar as mais incríveis provações se estiver convencido de que elas tem um sentido .Mas sente-se aniquilado se além dos infortúnios ainda tiver de admitir que está envolvido em uma história contada por um idiota. (…) A confusão nasce do fato de serem simbólicos os seus conteúdos e portanto, oferecerem mais de uma explicação. Os símbolos apontam direções diferentes daquelas que percebemos com a nossa mente consciente; e, portanto, relacionam-se com coisas inconscientes, ou apenas parcialmente conscientes. Para o espírito científico, fenômenos como o simbolismo são um verdadeiro aborrecimento por não poderem formular de maneira precisa para o intelecto e a lógica. (...) [Desta forma] Imaginação e intuição são auxiliares indispensáveis ao nosso entendimento. E apesar de a opinião popular afirmar que são requisitos valiosos sobretudo para poetas e artistas e que não são recomendáveis as questões de bom senso, a verdade é que são igualmente vitais em todos os altos escalões da ciência. Exercem neste campo um papel de importância sempre crescente, que suplementa o da inteligência “racional” na sua aplicação a problemas específicos. ” (p.89-92)

A função dos símbolos

Ao refletirmos sobre a análise/interpretação dos símbolos, há que se considerar a diferença entre os símbolos naturais e os símbolos culturais. Segundo Jung,

“Os primeiros são derivados dos conteúdos inconscientes da psique e, portanto representam um número imenso de variações das imagens arquetípicas essenciais. (…) Os símbolos culturais, por outro lado são aqueles que foram empregados para expressar “verdades eternas” e que ainda são utilizados (…) Passaram por inúmeras transformações e mesmo por um longo processo de elaboração mais ou menos consciente, tornando-se assim imagens coletivas aceitas pelas sociedades civilizadas.” (p.93)

Retomando sua concepção de que as ciências modernas, tal como vem sendo praticadas, sobre o julgo exclusivo da objetividade, da inteligencia e da racionalidade, estão equivocadas quanto a seus ganhos em detrimento de suas perdas para a humanidade; o autor sinaliza para o fato de que há uma poderosa energia psíquica que se “perde” no inconsciente colocando em movimento a sombra e suas tendências, quando a “sapiência” dos instintos mais primordiais da humanidade passa a ser negada, a ligação humana com a natureza se perde e a ciência moderna dessacraliza a vida. Neste sentido, para Jung,

“A medida que aumenta o conhecimento cientifico diminui o grau de humanização do nosso mundo. O homem sente-se isolado no cosmos porque, já não estando envolvido com a natureza, perdeu a sua “identificação emocional inconsciente” com os fenômenos naturais. E os fenômenos naturais, por sua vez, perderam aos poucos as suas implicações simbólicas. (…) Para sermos mais exatos, parece que a superfície do globo foi purgada de todo e qualquer elemento irracional e supersticioso. Agora, se o nosso verdadeiro mundo interior (e não a imagem fictícia que dele fazemos) também está liberto de todo esse primitivismo, é uma outra questão.27 (…) [Assim], É a estas características que os símbolos dos sonhos quase sempre se referem, como se o inconsciente procurasse ressuscitar tudo aquilo de que a mente se libertara no seu processo evolutivo – ilusões, fantasias, formas arcaicas de pensamento, instintos básicos, etc.” (p.95-96; 98)

Curando a dissociação

“Nosso intelecto criou um novo mundo que domina a natureza, e ainda a povoou de máquinas monstruosas. Estas máquinas são tão incontestavelmente úteis que nem podemos imaginar a possibilidade de nos descartarmos delas ou de escapar à subserviência a que nos obrigam. O homem não resiste às solicitações aventurosas de sua mente científica e inventiva, nem cessa de congratular-se consigo mesmo pelas suas esplêndidas conquistas. Ao mesmo tempo, sua genialidade revela uma misteriosa tendência para inventar coisas cada vez mais perigosas, que representam instrumentos cada vez mais eficazes de suicídio coletivo.

Em vista da crescente e súbita avalancha de nascimentos, o homem já começou a buscar meios e modos de sustar esta explosão demográfica. Mas a natureza pode vir a antecipar esta tarefa, voltando contra ele as suas próprias criações. A bomba de hidrogênio, por exemplo, seria um freio seguro para este aumento de população.A despeito da nossa orgulhosa pretensão de dominar a natureza, ainda somos suas vítimas na medida em que não aprendemos nem a nos dominar a nós mesmos. De maneira lenta, mas que nos parece fatal, atraímos o desastre.

Já não existem deuses cuja ajuda possamos invocar. As grandes religiões padecem de uma crescente anemia, porque as divindades prestimosas já fugiram dos bosques, dos rios, das montanhas e dos animais e os homens-deuses desapareceram no mais profundo do nosso inconsciente. Iludimo-nos julgando que lá no inconsciente levam vida humilhante entre as relíquias do nosso passado. Nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é a nossa ilusão maior e mais trágica. É com a sua ajuda que acreditamos ter ''conquistado a natureza''.

Esta expressão é um simples slogan, pois esta pretensa conquista nos oprime com o fenômeno natural da superpopulação e ainda acrescenta aos nossos problemas uma incapacidade psicológica total para realizarmos os acordos políticos que se fazem necessários. Continuamos a achar natural que homens briguem e lutem com o objetivo de afirmar cada um a sua superioridade sobre o outro . Como pensar, então, em “conquista da natureza?”

Como toda mudança deve, forçosamente, começar em alguma parte, será o indivíduo isoladamente que terá de tentar e experimentar levá-la avante. Esta mudança só pode principiar, realmente, em um só indivíduo; poder á ser qualquer um de nós. Ninguém tem o direito de ficar olhando à sua volta, à espera de que alguma outra pessoa faça aquilo que ele mesmo não está disposto a fazer.

Mas como ninguém parece saber o que fazer, talvez valha a pena que cada um de nós se pergunte se, por acaso, o seu inconsciente conhecerá alguma coisa que nos possa ser útil a todos. A mente consciente, decididamente, parece incapaz de ajudar-nos. O homem hoje dá-se conta dolorosamente de que nem as suas grandes religiões nem as suas várias filosofias parecem capazes de fornecer-lhe aquelas idéias enérgicas e dinâmicas que lhe dariam a segurança necessária para enfrentar as atuais condições do mundo.

Sei bem o que haveriam de dizer os budistas: as coisas andariam bem se as pessoas seguissem "a nobre trilha óctupla" do Dharma (lei, doutrina) e compreendessem verdadeiramente o self (ou si-mesmo) . Já os cristãos afirmam que se as pessoas tivessem fé em Deus teríamos um mundo melhor. Os racionalistas insistem que se as pessoas fossem inteligentes e ponderadas todos os nossos problemas seriam controlados. A verdadeira dificuldade é que nenhum deles trata de resolver estes problemas pessoalmente.

Os cristãos muitas vezes perguntam por que Deus não se dirige a eles, como se acredita que fazia em tempos passados. Quando ouço este tipo de questionamento lembro-me sempre do rabi a quem perguntaram por que ninguém mais hoje em dia vê Deus, quando no passado Ele aparecia às pessoas com tanta freqüência. Resposta do rabi: ''É que hoje em dia já não mais existe gente capaz de curvar-se o bastante.''

Resposta absolutamente certa. Estamos tão fascinados e envolvidos por nossa consciência subjetiva que nos esquecemos do fato milenar de que Deus nos fala, sobretudo através de sonhos e visões. O budista despreza o mundo das fantasias inconscientes considerando-as ilusões inúteis; o cristão coloca sua Igreja e sua Bíblia entre ele próprio e o seu inconsciente; e o racionalista ainda nem sabe que a sua consciência não é o total da sua psique. Este tipo de ignorância continua a exist ir apesar de o inconsciente ser, há mais de 70 anos, um conceito científico básico e indispensável a qualquer investigação psicológica séria.

Não podemos mais nos permitir uma atitude de "Deus Todo -Poderoso", elegendo-nos juizes dos méritos ou das desvantagens dos fenômenos naturais. Não baseamos nossos conhecimentos de botânica na ultrapassada classificação entre plantas úteis e inúteis, ou os de zoologia na ingênua distinção entre animais inofensivos e perigosos. Mas, complacentemente, continuamos a admitir que consciência é razão e inconsciência é contra-senso. Em qualquer outra ciência tal critério faria rir, tal a sua improcedência. Os micróbios, por exemplo, são razoáveis ou absurdos?

Seja o que for a inconsciência, sabe-se que é um fenômeno natural que produz símbolos provadamente relevantes. Não podemos esperar que alguém que nunca tenha olhado através de um microscópio seja uma autoridade em micróbios. Do mesmo modo, quem não fez um estudo sério a respeito dos símbolos naturais não pode ser considerado juiz competente do assunto. Mas a depreciação geral da alma humana é de tal extensão que nem as grandes religiões, nem as várias filosofias, nem o racionalismo científico se dispõem a um estudo mais profundo.

Apesar de a Igreja Católica admitir a ocorrência dos somnia a Deo missa (sonhos enviados por Deus), a maioria dos seus pensadores não faz um esforço sério para compreender os sonhos. Duvido que exista um tratado ou uma doutrina protestante que se humilhe a ponto de aceitar a possibilidade de a vox Dei ser percebida em algum sonho. Mas se o teólogo acredita mesmo na existência de Deus, com que autoridade pode afirmar que Deus é incapaz de nos falar através dos sonhos?

Passei mais de meio século investigando os símbolos naturais e cheguei à conclusão de que tanto os sonhos como seus símbolos não são fenômenos inconseqüentes ou desprovidos de sentido. Ao contrário, os sonhos fornecem as mais interessantes revelações a quem quiser se dar ao trabalho de entender a sua simbologia. O resultado, é bem verdade, pouco tem a ver com problemas cotidianos como vender ou comprar. Mas o sentido da vida não está de todo explicado pela nossa atividade econômica, nem os anseios mais íntimos do coração humano atendidos por uma conta bancária.

Neste período da história humana em que toda a energia disponível é dedicada ao estudo e à investigação da natureza, dedica-se pouquíssima atenção à essência do homem — a sua psique — enquanto multiplicam-se as pesquisas sobre as suas funções conscientes. No entanto, as regiões verdadeiramente complexas e desconhecidas da mente, onde são produzidos os símbolos, ainda continuam virtualmente inexploradas. E é incrível que, apesar de recebermos quase todas as noites sinais enviados por estas regiões, pareça tão tedioso decifrá-los que poucas pessoas se tenham preocupado com o assunto. O mais importante instrumento do homem, a sua psique, recebe pouca atenção e é muitas vezes tratado com desconfiança e desprezo. "É apenas psicológico" é uma expressão que significa, habitualmente : "Não é nada."

De onde exatamente virá este imenso preconceito? Estivemos sempre tão manifestamente ocupados com o que pensamos que nos esquecemos por completo de indagar o que pensará a nosso respeito a psique inconsciente. As ideias de Sigmund Freud vieram acentuar, em muitas pessoas, o desdém existente com relação à psique. Antes dele descurava-se e ignorava-se sua existência; agora a psique tornou-se uma espécie de depósito onde se despeja tudo que a moral refuga.

Este ponto de vista moderno é, certamente, unilateral e injusto. Nosso conhecimento atual do inconsciente revela que é um fenômeno natural e, tal como a própria Natureza, pelo menos neutro. Nele encontramos todos os aspectos da natureza humana — a luz e a sombra, o belo e o feio, o bom e o mau, a profundidade e a sandice. O estudo do simbolismo individual, e do coletivo, é tarefa gigantesca e que ainda não foi vencida. Mas ao menos já existe um trabalho inicial. Os primeiros resultados são encorajadores e parecem oferecer resposta às muitas perguntas — até aqui sem nenhuma réplica — que se faz à humanidade de hoje.” (p.101-103)

Notas

1“O sinal é sempre menos que o conceito que ele representa, enquanto o símbolo significa sempre mais do que o seu significado imediato e óbvio.” (p. 55)

2“O homem, como podemos perceber ao refletirmos um instante, nunca percebe plenamente uma coisa ou a entende por completo. (…) Os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo à sua volta. (…) Não importa que instrumentos ele empregue: em um determinado momento há de chegar a um limite de evidências e de convicções que o conhecimento consciente não pode transpor.” (p.21)

3“Na verdade, chegar aquilo que os psicologos chamariam de seus “complexos” - isto é, temas emocionais reprimidos capazes de provocar disturbios psicologicos permanentes ou mesmo, em alguns casos, sintomas de neurose.”(p.27)

4“Geralmente, o aspecto inconsciente de um acontecimento nos é revelado através de sonhos, onde se manifesta não como um pensamento racional, mas como uma imagem simbólica.” (p.28)

5“ (…) cheguei a conclusão de que os sonhos são o mais fecundo e acessível campo de exploração para quem deseje investigar a faculdade de simbolização do homem.” (p.26)

6“Sigmund Freud foi o pioneiro, o primeiro cientista a tentar explicar empiricamente o segundo plano insconciente da consciência. Trabalhou baseado na hipótese de que os sonhos não são produto do acaso, mas que estão associados a pensamentos e problemas conscientes. Esta hipótese nada apresentava de arbitrária. Firmava-se na conclusão a que haviam chegado eminentes neurologistas (como Pierre Janet, por exemplo) de que os sintomas neuróticos estão relacionados com alguma experiência consciente.” (p. 26)

7“(Os complexos habituais dos indivíduo são pontos sensíveis da psique que reagem mais rapidamente aos estímulos e perturbações externas).” (p.27)

8Neste sentido, segundo o autor “Uma história narrada pelo nosso espírito consciente tem início, meio e fim; tal não acontece com o sonho. Suas dimensões de tempo e espaço são diferentes. Para entendê-lo é necessário examiná-lo sob todos os seus aspectos – exatamente quando tomamos um objeto desconhecido nas mãos e o viramos e reviramos até nos familiarizarmos com cada detalhe.” (idem)

9“(...) qualquer coisa que tenhamos ouvido ou experimentado pode tornar-se subliminar – isto é, passar ao inconsciente. E mesmo aquilo que retemos no nosso consciente e que podemos reproduzir à vontade adquire um meio-tom inconsciente que da novo colorido a ideia, cada vez que ela é convocada.” (p.40)

10“Este material subliminar pode consistir de todo tipo de urgência impulso e intenções; de percepções e intuições; de pensamentos racionais ou irracionais; de conclusões, induções, deduções e premissas; e de toda uma imensa gama de emoções.” (p.37)

11“De modo geral, é uma tolice acreditar-se em guias pré-fabricados e sistematizados para a interpretação dos sonhos, como se pudessemos comprar um livro de consultas para nele encontrar a tradução de determinado símbolo. Nenhum símbolo onirico pode ser separado da pessoa que o sonhou, assim como não existem interpretações definidas e especificas para qualquer sonho.”(p.53)

12“De fato, na vida cotidiana precisamos expor nossas ideias da maneira mais exata possível e aprendemos a rejeitar os adornos da fantasia tanto na linguagem quanto nos pensamentos – perdendo, assim, uma qualidade ainda característica da mentalidade primitiva.” (p.43)

13Sobre as associações inconscientes: “Conosco, estes fenômenos situam-se abaixo do limite da consciência e quando, ocasionalmente, reaparecem insistimos em dizer que algo de errado está acontecendo.” (p.45)

14Ver Milton Santos, Antony Giddens, Zygmunt Bauman.

15“(...) o homem contemporâneo paga o preço de uma incrível falta de introspecção. Não consegue perceber que, apesar de toda a sua racionalização e toda a sua eficiência, continua possuído por forças fora do seu controle. Seus deuses e demônios absolutamente não desapareceram: tem, apenas, novos nomes. E o conservam em contato intimo com a inquietude, com apreensões vagas, com complicações psicológicas, com uma insaciável necessidade de pilulas, álcool, fumo, alimento e, acima de tudo, com uma enorme coleção de neuroses.”(p.82)

16

17“Qualquer característica geral pode ser escolhida como base. (…) Esta é apenas uma das muitas generalizações possíveis...” (p. 56)

18Salienta-se que “Sentido e intenção não são prerrogativas da mente; atuam em toda natureza vivente. Não há diferença de princípios entre o crescimento organico e o crescimento psiquico. Assim como uma planta produz flores, assim a psique cria seu símbolos.” (p.64)

19Mais uma vez “O leitor deve compreender que estes quatro critérios, que definem tipos de conduta humana, são apenas quatro pontos de vista entre muitos outros, como a força de vontade, o temperamento, a imaginação, a memória e assim por diante. Nada há de dogmático a respeito deles, mas o seu caratér fundamental recomenda-os para uma classificação.” (p. 61)

20Para Jung “A psicologia é a única ciência que precisa levar em conta o fator valor (isto é, o sentimento), pois é ele o elemento de ligação entre as ocorrências físicas e a vida. Por isso acusam-na tanto de não ser cientifica; seus críticos não compreenderam a necessidade prática e cientifica de se dar ao sentimento a devida atenção.” (p.99)

21“Sei que é dificil apreender este conceito já que estou tentando descrever com palavras alguma coisa que, por natureza, não permite definição precisa. Mas desde que muitas pessoas pretendem tratar os arquetipos como se fossem parte de um sistema mecanico, que se pode aprender de cor, é importante esclarecer que não são simples nomes ou conceitos filosóficos. São porções da própria vida – imagens integralmente ligadas ao indivíduo através de uma verdadeira ponte de emoções. Por isso é impossível dar a qualquer arquetipo uma interpretação arbitrária (ou universal); ele precisa ser explicado de acordo com as condições totais de vida daquele determinado indivíduo a quem se relaciona.”(p.96)

22Para Jung “(...) enquanto os complexos individuais não produzem mais do que singularidades pessoais, os arquétipos criam mitos, religiões e filosofias que influenciam e caracterizam nações e épocas inteiras.”(p.79)

23“O mundo moderno não entende o quanto o seu “racionalismo” (que lhe destruiu a capacidade para reagir a ideias e símbolos numinosos) o deixou a mercê do “submundo” psiquico. Libertou-se das “supertições” (ou pelo menos pensa te-lo feito), mas neste processo perdeu seus valores espirituais em escala positivamente alarmante. Suas tradições morais e espirituais desintegraram-se e por isto, paga agora um alto preço em termos de desorientação e dissociação universais.”(p.

24Ver Edgar Morin e a Teoria da Complexidade.

25“Os antropologos descreveram, muitas vezes, o que acontece a uma sociedade primitiva quando seus valores espirituais sofrem o impacto das civilização moderna. Sua gente perde o sentido da vida, sua organização social se desintegra e os próprios indivíduos entram em decadência moral.”(p.93)

26Em última instância: para a manutenção/desenvolvimento, perpetuação da especie.

27 Em nota Jung comenta a potencialidade do inconsciente infantil como terreno fértil para a observação de manifestações arquetipicas, seja através dos sonhos, seja em suas expressões cotidianas do movimento, do desenho e do brincar. Em suas palavras: “No inconsciente de uma criança podemos ver o poder (e a universalidade) dos símbolos arquetipicos. Um desenho de uma criança de sete anos – um sol imenso afugentando aves negras, os demonios da noite – revela a atmosfera do verdadeiro mito. Crianças que brincam dançam espontaneamente numa forma de expressão tão natural quanto as danças cerimoniais primitivas. O folclore antigo ainda existe nos “ritos” infantis.” (nota p. 98) De modo que “Por uma criança ser fisicamente pequena e seus pensamentos conscientes poucos e simples, não avaliamos as extensas complicações da sua mente infantil, fundamentadas na sua identidade original com a psique pré-histórica. Esta “mente original” está tão presente e ativa na criança quanto as fases evolutivas da humanidade no seu corpo embrionário.

Referências

In JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos.

Imagens: Google Imagens

Para ouvir: Bach interpretado por Rostropovich

Nenhum comentário:

Postar um comentário