terça-feira, 11 de setembro de 2012

[Resenha] Cantos da Educação: mito antropologia sonora & diversidade na formação docente. Marcos Ferreira-Santos coord.

 matisse_musiqueBuenas. Desde a última postagem estou pensando e repensando  os caminhos que venho seguindo na pesquisa e tem sido como perceber que está faltando algo. Sabe assim, quando a gente sente, percebe, que nos falta algo mas ainda não sabemos exatamente o que? Pois bem. Vou ver se descubro. Hoje trago a resenha de dois tópicos (dada sua complexidade e pensando em uma introdução sobre determinados conceitos) de uma comunicação escrita em conjunto por Amanda Ribeiro, Leonardo Liberti, Marília Lemos, Sophie Arenhovel e Vinícios Medrado, coordenado pelo prof. dr. Marcos Ferreira-Santos. Seu objetivo é compartilhar as reflexões surgidas no núcleo de música do Lab_Arte: laboratório experimental de arte-educação e cultura da USP, tendo em vista sua especificidade enquanto espaço de formação docente dentro de uma perspectiva antropológica1, que busca suprir as lacunas formativas do curso de pedagogia2 a partir de vivências e experimentações nas várias linguagens artísticas; construindo processos educativos “(...) que a concepção “caixotesca” de educação ocidental (nos termos de Georges Gusdorf), predominantemente cognitiva e reprodutora, nunca prevê.”(p.3)

Este material faz parte do cronograma de leituras proposto pela disciplina Cultura & Educação II – Imaginário & Processos Simbólicos (na obra de Clarice Lispector) sob responsabilidade do prof. dr. Marcos Ferreira-Santos. As aulas acontecem as quartas-feiras na sala 130 da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP.

Pouco li sobre música mas muitas imagens me vieram a mente durante esta leitura. Particularmente aquelas ocorridas ao longo de minha jornada como coordenadora de  brinquedoteca. Neste espaço tive a oportunidades de propor às crianças e seus pais sons que vão desde os conhecidos clássicos até Hermeto Pascoal, Jimi Hendrix e projetos alternativos como Siba e a Fuloresta. Sem medo de experimentar.Bons tempos… Quem sabe este  não era o rumo que estava me faltando?  Seguimos aprendendo.

Abraços,

Lorena Oliveira

Obs: A imagem é La Musique de Henri Matisse, 1939.

Notas

1A antropologia é “(...) a ciência que tem como objetivo o estudo sobre o homem e a humanidade de maneira totalizante, ou seja, abrangendo todas as suas dimensões. (…) Para o saber antropológico o conceito de cultura abarca diversas dimenssões: universo psiquico, os mitos, os costumes e rituais, suas histórias peculiares, a linguagem, valores, crenças, leis (etc.) A cultura e a mitologia correspondem ao desejo do homem de conhecer a sua origem, ou produzem um modo de autoconhecimento que é a identidade, diferenciando os grupos em função de suas idiossincrasias e adaptação em ambientes distintos.”

2“Digo da falta de um núcleo curricular que conseguisse “furar o cerco” das “grades curriculares” (tendência de engessamento dos cursos) e que contemplasse uma perspectiva mais antropológica e das alternativas em arte-educação.” (p.2)

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Resenha

Mito e antropologia sonora1

Os autores iniciam suas considerações refletindo sobre a diversidade de concepções e significados atribuídos a ideia de música, donde pode-se dizer que “(...) materialmente, não existe música de fato, mas sim o que há é uma maneira de ouvir o som que é desenvolvido socialmente pela utilização cultural e pessoal dos sons.” (idem) Assim, tendo em vista as possíveis relações que se estabelecem entre ela e a educação, consideradas as perspectivas da musicoterapia e da semiótica, onde se destaca sua função enquanto linguagem que comunica;

“(...) aponta[-se] para o valor fundamental da música em nossa cultura, isto é, como um veículo de autocompreensão, um meio de criar e representar novas categorias de experiências não referenciais. [Onde] A qualidade de vida pode ter relação com essa capacidade de representar e de tornar significativo o que vivenciamos num nível pré-linguístico na música.” (RUDD, 1990, pp. 90-91, apud p.6)

Dito de outro modo, afirma-se sua potencialidade enquanto linguagem pré-racional que possibilita o aprimoramento da linguagem verbal na medida em que amplia proposições a partir da imaginação. Nas palavras dos autores, “A construção de imagens a partir do dado sonoro nos permite adentrar o imaginário e nele transitar” (idem) Neste sentido, há também que se considerar, para além da ampliação imagética2, a potência específica que cada manifestação musical pode mobilizar nos alunos, tendo em vista a diversidade de documentos sonoros que não se restringem à música massiva e pasteurizada proposta pela indústria cultural, mas compõem o repertório cultural humano. Assim,

“Os chamados “documentos sonoros” também exibem esta possibilidade de trazer ao presente, o registro de um passado revivido no presente. Uma experiência estética muito próxima a fotografia e ao cinema, que auxilia os alunos na compreensão do sentido histórico e do agir histórico, justamente na sua cotidianidade. (…) A música cataliza imagens que dizem muito mais do que palavras encadeadas num discurso linear. A música é polifonica, e ao mesmo tempo, é polissêmica.” (p.7)

Neste ponto os autores salientam o embasamento desta comunicação, destacando o modelo antropológico no qual são consideradas as esferas do mito, da música e da dança. Em suas palavras,

“(...) podemos entender que o mito: é uma narrativa dinâmica de imagens e símbolos que articulam o passado ancestral ao presente vivido em direção ao devir; música: é uma narrativa sonora de imagens e símbolos que articulam a música oceânica (música primordial) à paisagem sonora natural e cultural; e que dança: é uma vivência ritual que materializa e corporifica as imagens e os símbolos da existência humana no seu pleno desenvolvimento.”(p.8)

Neste sentido, destaca-se a aproximação destas esferas, a partir de seu caráter ciclico; da ideia que liga às vivências pessoais à vivência humana. Em relação a música, os indivíduos vivenciam esta ideia desde a vida uterina de modo que se atualiza o ciclo constiuído em ambivalência por uma paisagem sonora natural e uma paisagem sonora cultural. Em outras palavras, nossa identidade sonora se constitui desde o

“(...) ambiente líquido da bolsa aminiotica com sua massa sonora liquida (o que produz a nossa familiaridade com o marulho e a música ocêanica3); o ritmo e a noção de pulso que advém do batimento cardiaco da mae4; (…) até a aprendizagem da organização de massas sonoras, ruídos, cantigas e cantilenas, barulhos que chegam ao nosso timpano [ao longo de nosso processo formativo]. (Espíndola, 2006, apud. p.10)

Espaço e Tempo outros: a diversidade

Neste ponto os autores retomam a potencialidade da música (e também da literatura) enquanto estrutura figurativa que permite aos indivíduos vivenciarem espaços e tempos distintos daqueles em que vivem cotidianamente. Em suas palavras “A música, como exemplar obra de arte que atesta sua inconclusão (…) nos remete a seu tempo próprio, retirando-nos do tempo cronológico e cotidiano.(...) As imagens musicais se sucedem numa constelação que se configura, unicamente, no tempo próprio da obra.”(p.14-15)

Esta potencialidade permite que se realize o processo de catarse conforme definido por Aristóteles5 (mesmo que diferentemente apropriado por outros autores). Segundo suas proposições, refletindo sobre a tragédia grega, a catarse ocorre em “(...) três momentos heurísticos acentuando o efeito purificador das situações dramáticas, densas e violentas, proporcionando aos espectadores o alívio de sentimentos reprimidos.” (idem)

Neste mesmo sentido, a vivência de outros espaços e tempos proporcionada pelas experiencias estéticas específicas da música e da literatura possibilitam ao indivíduo um estado de transcendência. Nas palavras de Merleau-Ponty, sobre a obra e a transcendência; “É certo que a vida não explica a obra, porém certo é também que se comunicam. A verdade é que esta obra a fazer exigia esta vida. (1992) (…) A transcendência, então, não domina o homem, ele é estranhamente seu portador privilegiado. (1974)” (apud, p. 16) De acordo com os autores,

“Temos aqui uma primeira evidência de que a nossa entrada em um tempo outro da obra musical ou literária, é elemento constituinte da própria transcendência. [Ressalta-se] (...) que ela não tem a conotação de algo abstrato, ideal, não possui o valor idealista e espiritualista de “eternidade”, mas traduz-se na sua mais concreta acepção como via alternativa intencional (…), entre a ascendência ideacional (predominância platônico-idealista) e a descendência materialista (predominância das determinações factuais). Assim, não se privilegia a ascendência (a existência de um ser superior separado do humano), nem a descendência (a existência humana separada do meio cósmico-social que lhe abriga), mas sim, a transcendência (Ferreira Santos, 1998), ou seja, o caráter reciproco [de sua] constituição (...)” (idem)

Por fim, SANTOS et all, nos propõe refletir sobre o aspecto de repetição mítica (aqui não relacionada a ideia de ato mecanico) que possibilita a mitohermeneutica seu “lugar” de trabalho dentro da música e das demais artes. Segundo GUSDORF “O mundo da repetição é o mundo da criação continuada. A repetição assegura a reintegração do tempo humano no interior do tempo primordial.”(1953, apud p. 17); de modo que ele nunca é estático, igual.

Notas

1“(...) devemos esclarecer que nosso “estilo” reflexivo está balizado numa mitohermeneutica (Ferreira Santos, 2005), ou seja, uma tentativa de convergência instaurativa (…) Neste sentido, trata-se de um trabalho de natureza filosófica (atitude de questionamento) que intentar captar e investigar as matrizes míticas e arquetipais nas obras de arte e da cultura apreendidas no arranjo narrativo através de seus vestígios, recorrências e redundâncias.”(p.14)

2“A antropologia do imaginário pode se constituir, antropologia que não tem apenas a finalidade de ser uma coleção de imagens, de metáforas e de temas poéticos. Mas que também deve ter a ambição de montar o quadro composito das esperanças e terrores da espécie humana, a fim de que cada um neles se reconheça e se revigore. (...)” (Durand, 1988, p.106 apud p. 13)

3“Precisamente, em função da profundidade e universalidade desta região pré-reflexiva (música oceânica) é que os diálogos e ressonâncias entre diferentes culturas constituídas é possível. As paisagens sonoras naturais e culturais se ancoram no caráter corporal e simbiótico da tessitura oceânica da música.” (p.12)

4“Daí o importante papel dos compassos ternários, tanto na sensibilização musicoterápica como nas produções musicais folkloricas: a repetição do ritmo cardíaco da mãe. O mesmo ritmo das marteladas na forja de Hefaísto. O mesmo ritmo que imprimi Shiva na sua dança de criação do universo. O mesmo ritmo das festas do boto.(...)” (idem)

5“Ainda que esta concepção aristotélica tenha se tornado, com o passar do tempo, uma espécie de “camisa de força” na classificação de caráter taxonomico, na crítica literaria e mesmo na crítica e criação teatral, creio que não devemos menosprezá-la em decorrência de seus usos redutores em detrimento de sua rica estrutura configurativa.” (p.15)

Referências

O texto completo está disponível Aqui

Para ouvir e compartilhar: Hermeto Pascoal, Baden Powell, Jimi Hendrix, Santana, Siba e a Fuloresta, Bach, Egberto Gismonti e tudo o mais que a imaginação considerar importante para o desenvolvimento de cada um.

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