segunda-feira, 20 de agosto de 2012

[Resenha] Danças de matriz africana. Cap. I, II e III. SABINO, Jorge e LODY, Raul.


mastriz_africanaA manifestação artística através da sua poética envolve uma busca de sentido, promove mudanças no modo de ver, entender e agir, ou seja, na forma como o homem estrutura e organiza o mundo para responder aos seus desafios em um processo constante de transformação de si e da realidade à sua volta.” (p. 11)
No prefacio escrito pela coreógrafa Lia Robatto são pontuados importantes aspectos para a reflexão. Primeiramente trata-se de alocar a arte no espaço do intangível, com especial enfoque na dança, por seu caráter fluído, daquilo que se torna visível somente no momento.
Atualmente este espaço vem ganhando destaque nas discussões que propõem a pluralidade, a ampliação da solidariedade e das formas criativas de ação no mundo. Desta forma, Jorge Sabino e Raul Lody, embasados em pressupostos históricos, econômicos, políticos e culturais, partem da perspectiva da antropologia do movimento para contextualizar as danças brasileiras de matriz africana. Sendo seu objetivo refletir sobre uma história ancestral que tem continuidade através da narrativa simbólica manifesta na dança. “A dança comunitária é vista aqui como sinal de pertencimento, construção e afirmação de referência étnica, desde tempos imemoriais.” (p.12) Ao tratar das danças de matriz africana são propostas formas de se relacionar os corpos aos movimentos construídos cotidianamente nas comunidades, acrescidos dos movimentos simbólicos carregados de significados que contam e trazem a história deste povo.
Tendo em vista a perspectiva histórica, a autora nos diz que
“Levantando o percurso histórico das danças no Brasil Colonia, de origem ibérica e africana, o livro enfoca o cortejo barroco europeu alegórico, em que não se separa a função religiosa da diversão, que através do sistema das irmandades incorporava as danças ancestrais dos africanos nas procissões, dentro da estratégia colonizadora , como forma de controle político e instrumento de negociação para diferentes métodos de administração da paz nas sensazalas.” (p. 13)
Assim, considerando a ausência de propriedade material dos negros africanos escravizados, o movimento de seus corpos manifesto na dança, funcionou como documento de uma cultura; sendo trazida ao longo do tempo a representação e a vivência de sua etnia. Tal consideração visa ampliar os conhecimentos relativos a pluralidade cultural e a coexistência de histórias, de modo a se concretizarem as propostas de solidariedade, respeito e manifestação criativa no mundo.
A linda imagem que ilustra a resenha de hoje está disponível no blog Ofensiva Negritude
___________________________________________________________ Resenha Porque falar de dança de matriz africana
Os autores iniciam este capítulo considerando a necessidade de se pensar (dentro da educação física, da fisioterapia e da dança) para além dos aspectos anatômicos e biomecânicos dos corpos, em sua construção e significados culturais. Deste modo, tendo em vista a especificidade das danças de matriz africana, sua condição de corpo que documenta uma determinada cultura e sua história; seu caráter de manifestação artística plural de memória e identidade; questiona-se a ausência de estudos na área da ciência da dança que estuda os movimentos e sua relação com o bailarino, o espaço e a música1. De acordo com SABINO & LODY, muito se fala sobre as danças populares e tradicionais no Brasil, assim como de um corpo cultural do brasileiro, sem que no entanto, tenha se dado a devida atenção as questões que relacionam este corpo às coreografias e à dança próprias das culturas de origem africana. Salientando que “É importante despertar um olhar preferencial que una à dança à cultura e à educação interdisciplinar; um olhar que veja a dança como uma realização que remete imediatamente às memórias, às etnias, às civilizações, aos povos e aos indivíduos.” (p.16)
A dança nasce em torno do fogo
Este capítulo principia por considerar a relação imemorial dos homens com o fogo. Desde suas propriedades físicas relacionáveis as transformações ocorridas ao longo da história a partir da modificação de metais e alimentos; até a relação que se estabelece em um contexto de religiosidade; o fogo tem feito parte do cotidiano material, imagético e simbólico dos seres humanos. Neste sentido a dança apresenta-se intrinsecamente atrelada aos rituais do fogo, frequentemente manifestos através de fogueiras. Como afirmam os autores, ao dizerem que
“As danças de roda, coreografias de formação circular em torno de fogueiras, são lembranças arcaicas e fundamentais sobre a relação entre o corpo que dança e o espírito que elabora, simboliza, interpreta e cria novos temas, novos registros que atualizam o elo fogo-homem.
O sentimento de igualdade e de solidariedade é revivido (…) retomando-se modelos mitológicos que justificam os movimentos do mundo, a unidade cósmica, aproximando e possibilitando importantes rituais de sociabilidade e também de inclusão, de pertencimento a um grupo, a uma sociedade, a um povo.” (p. 20)
Ao tratarem da especificidade brasileira, SABINO E LODY citam uma série de exemplos de manifestações relacionadas ao fogo, como as danças-autos, onde há um misto de representação, religiosidade e dança. Frequentes no mês de junho relativas aos santos relacionados a este mês; ao bumba maranhense que retrata o ciclo de vida do boi relacionado a figura masculina e a fertilidade; as festas amazonenses; o forró; o coco; a quadrilha; a fogueira de Xangô, orixá da nação yorubá, etc. “ (…) festas que afirmam identidades, atualizam memórias e demais símbolos, que atestam pelas danças o sentimento de ancestralidade.” (p.22)
A dança no Brasil Colonial
Com enfoque histórico, os autores iniciam este capítulo tratando da especificidade do balé, seu surgimento e evolução. Tendo em vista o contexto português, em fins da idade média, como nos demais aspectos da sociedade, houve a dessacralização da dança. Esta deixando de ser ritual, passa a constituir um conjunto de regras e movimentos específicos que acabam por “globalizar o balé”. Em suas palavras, citando José Sasporte2, concebe-se
“(...) a dança portuguesa, em fins da Idade Média, como estando integrada ao processo geral europeu de dessacralização da dança, quando “formas teatrais virão substituir práticas rituais”. A dança se desvincula da liturgia e das danças populares mais tradicionais para dar lugar às formas mais domesticadas, codificadas e internacionalizadas, iniciando-se assim a globalização do balé.” (p.24)
Destacando-se, no entanto, o fato de tal processo ter sido dirigido pela própria Igreja e pela Corte. Assim, embora tenha se deixado a relação que ligava a dança diretamente às práticas religiosas da igreja; esta não deixou de representar (danças-autos) passagens litúrgicas, incluindo em suas formas os rituais relacionados a corte portuguesa3. “É, portanto, em torno de um eficiente controle político e religioso sobre os comportamentos sociais que devemos compreender a incorporação das danças nas procissões e cerimonias realizadas fora do templo, definindo-se esse traço como marcante da tradição portuguesa de dança (...).”(p.24)
SABINO & LODY citam ainda as danças com enredos estruturados, chamadas procissões ou cortejos barrocos4; onde, embora diferenciados do balé da Corte por sua estrutura e pela estética de seus movimentos, ambos “(...) expressavam-se como formas teatrais de organizar símbolos para reafirmar os papéis sociais.” (p.26); salientando-se sua condição sincrética. Cantos e tambores africanos misturavam-se as procissões de caracterização relativa a religião católica fundamentando as chamadas danças populares brasileiras de matriz africana. Desta forma,
“A festa foi referência básica de identidade étnica e também expressão de resistência do africano em condição escrava no Brasil Colonia, por isso a festa africana foi instrumento de negociação para os diferentes métodos de administrar a paz nas senzalas, sendo sempre grande motivo de preocupação entre os senhores de e engenho, a própria Igreja e o Estado.” (p. 32)
Notas
1Coreologia.
2Em sua obra Trajetória da Dança Teatral em Portugal.
3“Por exemplo, a Festa do Divino Espírito Santo, no Maranhão, acompanhada do ritmo das caixeiras e do tambor de crioula, comporta diversos momentos: abertura da tribuna, levantamento do mastro, missas, procissões, carimbó de velha, derrubamento do mastro, roubo do santo, roubo do mastro, forró das caxeiras e outras “brincadeiras” conforme a promessa e o festeiro.” (p. 24- 25)
4“Cada festa barroca é uma composição complexa constituída por muitos elementos visuais, profundamente alegóricos, incluindo-se idumentárias, música instrumental, canto, andores com santos, estandartes e demais símbolos heráldicos, nuvens de incenso e outros elementos de motivação da fé cristã.” (p. 28)
Fontes
In Danças de matriz africana. Rio de Janeiro: Pallas, 2011 (Prefácio até p.37).
Obs: Este material faz parte da bibliografia proposta durante o curso da disciplina EDM Artes e Educação Infantil II: dança e teatro, ministrada pela profa. dra. Patricia Dias Prado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP; durante o primeiro semestre de 2012.


























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