segunda-feira, 20 de agosto de 2012

[Resenha] Para encantar e preciso encantar-se: danças circulares na formação de professores. OSTETTO, Luciana E.


shiva natajara
Boa tarde amigos! Hoje trago e deixo a resenha deste belissimo artigo de Luciana Esmeralda Ostetto. Publicado em 2010, ele trata das reflexões oriundas de sua tese de doutorado, relativas ao “encantamento” proporcionado pela prática das Danças circulares sagradas em suas interfaces com a formação de professores, particularmente àqueles dos cursos de Pedagogia. Rico em uma diversidade de assuntos,  me deu e está me dando muito o que pensar no que se refere aos encaminhamentos que venho dando as minhas pesquisas. Reafirmando o compromisso com a proposição de novas formas de se pensar a formação e a prática docente, especialmente em espaços de educação infantil, de modo que às crianças seja dada a possibilidade de vivenciarem suas infâncias em suas infinitas manifestações.
Dada a especificidade deste trabalho, a imagem é  de Shiva Nataraja “(…) o senhor da dança, aquele que personifica e manifesta a força e os poderes de dissolução, evolução e preservação do universo. É o dançarino cósmico que, no seu girar incessante, faz mover a energia eterna: criação-expansão, preservação-duração, destruição-renovação (Zimmer, 1989).
Abraços,
Lorena Oliveira
_________________________________________________________
Resenha
Neste artigo Luciana Ostetto parte de indagações que consideram as possíveis relações entre a dança e a formação de professores, no que se refere as potencialidades relativas as linguagens artisticas de nos fazermos encantados e criativos, de modo que nossa prática docente se torne coerente com estas possibilidades. Parte-se da ideia defendida e partilhada por uma série de autores, onde a arte se constitui como premissa fundamental para que se possa “ (…) provocar o desejo e a curiosidade, instigar a desconfiança do traço acostumado e das certezas absolutas, incentivar a ousadia de desenhar caminhos de busca e experimentação, afirmando autorias (...)” (p. 41)
Tendo em vista a pedagogia reinante, onde não há espaço para a criação individual e o que se prega e se prática são as cópias estereotipadas, como pensar em uma educação estética que possibilite a alunos e professores práticas autorais condizentes com suas integridades enquanto indivíduos? De modo a não repetir os discursos que pontuam esta questão, diz a autora que seu
“(...) compromisso com a educação pública de qualidade, segue, justamente, com o desafio de compartilhar alternativas que contribuam, em primeiro lugar, para resgatar a pessoa na pessoa do educador, afirmando caminhos de educação estética, marcados pela indissociabilidade de pensamento e sentimento, cabeça e coração, na jornada de formação.” (p.42)
Ao propor a superação das já conhecidas dicotomias que fundamentam o pensamento racionalista, a autora nos coloca frente a reflexão que está fundamentalmente atrelada ao aprofundamento das questões que se referem ao papel do inconsciente, do não racional na construção dos indivíduos e sua sensibilidade. Assim “(...) diante da complexidade da vida contemporânea, mais do que nunca é prudente afirmar, tal como já indicara Jung (2001, p. 23), outras formas de compreensão em que o coração não se oculte “sob o manto da chamada compreensão científica”, tipicamente ocidental.” (p.44)
É pois, partindo da tradição hindu e do mito do dançarino cósmico1, aprendendo que para encantar é preciso encantar-se, que a autora nos apresenta a dança, particularmente as danças circulares de diversos povos, em sua potencialidade de vivência poética em relação com a formação do educador. Em suas palavras
“O mito que envolve a magia da dança faz-me pensar no educador e na necessidade de encantar-se para poder encantar; criar para poder seguir com as crianças a aventura da criação; ver beleza, viver a beleza para poder espalhar beleza; abrir-se à escuta e ao olhar do inusitado e misterioso, acolhendo múltiplos sentidos no mundo, para poder ser sensível e acolher diferentes significados e sentidos construídos pelas crianças no cotidiano educativo; ousar para poder encorajar.” (p.45)
Tendo em vista o contexto histórico de sua ocorrência, diz a autora, que a dança faz parte da vida dos homens desde tempos imemoriais, proporcionando o encontro da comunidade e o fortalecimento de seus laços; estando relacionada as mais diversas situações (de celebrações aos momentos de pesar), construiu-se em uma relação intrínseca com a natureza, seus ciclos e movimentos. De origens diversas, as danças circulares sagradas são constituídas por uma série de símbolos, variando sua tipologia conforme o país ou a tradição a qual se vincula.
Assim,
“As danças circulares sagradas, tal como hoje as conhecemos, trazem em suas raízes esse passado longínquo da dança dos povos. Reencontram e recuperam a dança como comunhão e transcendência, uma prática comunitária e gregária. Como no passado, qualquer pessoa pode participar dessa dança, basta entrar na roda, dar as mãos e se abrir para o encontro além da palavra.” (p.46)
Retomando o já exposto, enquanto pesquisadora e professora responsável pela formação de outras professoras em cursos de pedagogia; OSTETTO propôs, em sua tese de doutorado e junto a seu grupo de alunas(o) a prática das danças circulares tendo como objetivo possibilitar espaços de encontro e comunhão, onde fosse possível a essas futuras educadoras(o) a vivência de suas subjetividades em um local de celebração poética e autoria.
Deste modo,
“A pesquisa revelou e afirmou as danças circulares sagradas como oportunidades de imaginação ativa (Jung, 1991b), campo aberto para a aproximação dos opostos, um caminho propício para configurar o reino intermediário2, onde o poder da imaginação é que conta e, a partir da sua atuação, o mundo interno é alargado.”(p.49)
Neste sentido, embasada nos escritos de Carl. G. JUNG, a autora nos sugere refletir sobre este “terceiro reino”, este nem lá, nem cá, que se fundamenta na intersecção entre o consciente e o inconsciente; sendo a fantasia3 e seu caráter intrinsecamente criativo, a força motriz que impulsona a elaboração de outras realidades, novos mundos que constituem este reino intermediário e possibilitam a transcendência das dicotomias e polaridades. Em suas palavras, esta transcendência se torna manifesta através dos símbolos, de modo que
“Simbolizar é descobrir outros sentidos, ir além do conhecido, atravessar fronteiras; é fazer ligações, unir fragmentos, expandir a personalidade.(...) Abrir-se à intuição é como livrar-se da proteção que “o escudo da ciência e da razão” oferece ao homem, fixando-o na temporalidade do presente. É dar passagem ao pensamento-fantasia, uma forma de pensar que coexiste com o pensamento dirigido (Jung, 1999).” (p.50-51)
Dito isto, OSTETTO conclui salientando a importância de se ampliarem os estudos que tem por base as teorias de C. G. JUNG, tendo em vista o aprofundamento da ideia que compreende a psique humana como integração indissociável entre as esferas do consciente e do inconsciente. Desta forma, a prática das danças circulares sagradas, longe de pretender a formação de bailarinos ou o ensino e a aprendizagem de técnicas de dança; possibilita a vivência de espaços de integração onde novas conexões e entendimentos de si acontecem, em uma interação entre os aspectos da racionalidade e aqueles relativos a intuição e aos sentimentos de cada um. Assim, “No diálogo com a arte, anuncia-se uma possibilidade de afirmar a multiplicidade e a beleza da vida, reivindicando essa mesma beleza para o cotidiano escolar.”(p. 53)
In Cad. Cedes, Campinas, vol. 30, n. 80, p. 40-55, jan.-abr. 2010 51 Disponível AQUI
Notas
1Referindo-se “(...) à tradição hindu, na qual Shiva Nataraja é o senhor da dança, aquele que personifica e manifesta a força e os poderes de dissolução, evolução e preservação do universo. É o dançarino cósmico que, no seu girar incessante, faz mover a energia eterna: criação-expansão, preservação-duração, destruição-renovação (Zimmer, 1989). (…) Na conhecida imagem, Shiva Nataraja segura na mão direita superior um tambor, feito ampulheta, marcando o ritmo, a energia do som criador. Traz em sua mão esquerda superior uma língua de fogo, o elemento da destruição e símbolo da transformação. Observamos, no equilíbrio entre as mãos, o equilíbrio criação-destruição na dança cósmica. A segunda mão direita eleva-se no gesto de paz e proteção: “não temas”; enquanto a outra mão esquerda, em sinal de graça, aponta para baixo, para o pé esquerdo erguido, símbolo de liberação. A divindade pisa sobre o demônio caído, símbolo da ignorância e cegueira da vida humana. Um anel de chamas e de luz emerge do deus e o rodeia: “a energia da sabedoria, a luz transcendental do conhecimento da verdade, cuja dança emana da personificação do todo” (Zimmer, 1989, p. 124).” (p.44-45)
2 “A dissociação das funções psicológicas do homem e, principalmente, o afastamento do contato com conteúdos do inconsciente, características da sociedade moderna, estão na base da crítica que o psicólogo suíço Carl Gustav Jung dirige a uma cultura altamente desenvolvida, responsável pela uniformização das forças individuais, na unilateralidade do pensamento. Deste ponto, buscará e afirmará o espaço intermediário, no qual a personalidade consciente e o inconsciente se relacionam, sem se negarem mutuamente. É neste lugar do “entre”, com a marca essencial da produção de símbolos, que vemos anunciada a possibilidade da criação. É neste lugar, o terceiro reino, que se afirma o poético, o metafórico; que não está nem lá nem cá, nem na consciência nem no inconsciente (Maroni, 1998).” (p.49)
3 “A fantasia, nos diz Jung (op. cit., p. 64), “é a mãe de todas as possibilidades, onde o mundo interior e exterior formam uma unidade viva, como todos os opostos psicológicos”. A fantasia revela-se nos sonhos, no devaneio, na imaginação. Entretanto, há que distinguir a fantasia ativa, em que tanto um processo inconsciente quanto disposições da atitude consciente entram em jogo para “assumir os indícios ou fragmentos de relações inconscientes e relativamente pouco acentuadas e, por meio de associação de elementos paralelos, apresentá-los numa forma visual plena” (idem, p. 407). O importante a ser destacado aqui é a participação positiva da consciência, diferente do que acontece no sonho, considerado fantasia passiva.” (p.49-50)
Fonte de Imagens
Google Imagens
















Nenhum comentário:

Postar um comentário