terça-feira, 29 de novembro de 2011

Resenha do artigo "Cabeças e corpos, adultos e crianças: cadê o movimento e quem separou tudo isso? de Débora Thomé Sayão¹


RESENHA

Sayão (2008) inicia sua reflexão ressaltando sua compreensão de indivíduo humano como todo integrado onde corpo e mente são indissociáveis. É pois, a partir da negação desta compreensão dualista da realidade que os separa que seus argumentos problematizam a relação corpo/mente. Atribuindo tal relação binária a “...uma forma de compreender o mundo, a ciência e o conhecimento que inventou dicotomias e dualismos de toda ordem, com o agravante de que intrínseco a eles se produzem juízos de valor e hierarquias em relação a todas as coisas.” (p.93)

Ao inventariar um aprofundamento desta discussão, destaca não ser possível que sua proposta para este artigo abarque a complexidade de teorias e conhecimentos desenvolvidos a partir da lógica dicotômica optando por centralizar seu enfoque no que se refere a educação dos corpos infantis, especificamente àquela que ocorre em espaços de educação infantil. Propondo-se uma série de questões a cerca do modo como esta acontece, começa por definir o termo corporalidade “...porque este vocábulo expressa a totalidade do corpo de um ponto de vista cujas formas, movimentos, gestos, posturas, ritmos, expressões, linguagens são reconhecidos como uma construção social que acontece na relação entre as crianças e/ou adultos com a sociedade ou a cultura.” (p.94)




Partindo desta ideia podemos entender a educação dos corpos, como processo de disciplinamento que leva o indivíduo a adotar certa conduta condizente com a cultura na qual está inserido. Tendo em vista a especificidade da educação infantil, espaço de vivência em que a criança experencia o mundo prioritariamente através de seu corpo e sentidos, é importante salientar que o descuido ou a doutrinação, limitação e a imposição de formas de movimentar-se, de ser e conhecer o mundo compreendem grave violência ao direito à infância.

Dito isto, a autora utiliza-se de um texto chamado “Aula particular” de Lygia Bojunga Nunes para ilustrar a contenção dos corpos, imposta pela dualidade mente/corpo, referindo-se a forma de Ser construída por uma organização social que concebe o mundo através da lógica racionalista que privilegia a mente em detrimento do corpo.  

Embora as concepções de infância e educação infantil tenham se alargado nos últimos anos, (com o aumento  da produção de pesquisas qualitativas na área), ainda é possível observar na grande maioria dos espaços de educação infantil, práticas escolarizantes que em nada condizem com a concepção de criança enquanto ser social e produtor de cultura. 

Frequentemente as crianças são cerceadas em seus movimentos: não podem correr “na hora errada”; não podem gritar; não podem sujar-se, etc.. Sendo, nesta lógica, a criança esperada e “correta” aquela que permanece sentada (de forma correta) e quieta. Possibilidades valiosas e únicas de conhecer e estabelecer relações entre as coisas e as pessoas ficam perdidas em meio a um comportamento corporal autômato e engessado.

Conclui ressaltando a necessidade de que tais práticas sejam revistas, uma vez que a infância é um período na vida (tal qual os demais) cuja especificidade se constrói nas brincadeiras, nos movimentos livres e amplos, na quase infinita possibilidade de experiências corporais e na espontaneidade característica destes novos e pequenos seres. Podá-los, limitá-los e amarrá-los as cadeiras, repete, consiste grave violência.

¹ 1
Deborah Thomé Sayão foi professora das Universidades Federais de Rio Grande (FURG) e 
de Santa Catarina (UFSC). licenciou-se em Educação  Física pela Universidade Federal de 
Pelotas, onde também especializou-se em Ginástica Escolar, e concluiu o mestrado e o 
doutorado no Programa de Pós-graduação em Educação da UFSC. Se foi na FURG que ela 
iniciou suas promissoras pesquisas, aliadas a um intenso trabalho de ensino e extensão, nos 
campos da Educação Física e da Educação Infantil, foi com sua mudança para a UFSC, tanto 
para atuar no Departamento de Metodologia de Ensino, quanto para cursar o doutorado, em 
2000, que Deborah consolidou uma  maneira de pensar a infância, seus cuidados e sua 
educação, por meio corpo e suas expressões. Pesquisando, escrevendo e publicando, 
lecionando, orientando e atuando na formação de professores e professoras, ela foi a 
personagem  fundamental de um diálogo entre a Educação Física e a Pedagogia da Infância, 
com ganhos para ambas. Deborah faleceu, vítima de câncer, em oito de março de 2006. 
Deixou uma série de caminhos abertos ao estudo da infância, do corpo, da formação de 
educadores e educadoras, com idéias sempre arejadas pelo intenso debate com as 
Humanidades, em especial com os estudos de gênero, e vincadas na prática pedagógica. Um 
legado nada desprezível para uma vida tão curta. Exemplo disso, o texto-laboratório que aqui 
se apresenta é antes de tudo, como deve ser, um agradável e desestablizador convite para 
seguir adiante. Afora o legado, Deborah deixou uma  grande saudade. (Alexandre Fernandez 
Vaz, Ilha de Santa Catarina, outubro de 2008.)

REFERÊNCIA

SAYÃO, Deborah.  Cabeças e corpos, adultos e crianças: cadê o movimento e quem separou tudo isso? Revista Eletrônica de Educação. São Carlos/SP: UFSCar, v.2, n.2: 92-105, nov. 2008. Disponível em http://www.reveduc.ufscar.br, acessado 20/03/2010.


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