segunda-feira, 20 de agosto de 2012

[Livro] O teatro da Espontaneidade. Resenha.

arte rupestre e  arte rupestre f
Mantendo o objetivo inicial deste blog, qual seja o de partilhar coisas que tenho aprendido nesta minha jornada pelos caminhos da educação, assim como propor e fundamentar algumas discussões; trago hoje a resenha do livro do prof. Jacob Levy Moreno entitulado O Teatro da Espontaneidade originalmente publicado em 1923. De leitura relativamente simples, irá contribuir na formação do educador a medida em que propõe e sistematiza formas de trabalho voltadas para a aprendizagem e o desenvolvimento da espontaneidade e da potência criativa de cada um.
Aproveitando deixo o convite a todas e todos para desengavetarem suas produções, principalmente aquelas produzidas na faculdade. Vamos compartilhar conhecimentos e diferentes formas de elaborar o mundo!
Abraços de coisas boas,
Lorena Oliveira
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MORENO, Jacob Levy, 1892-1974.
[ tradução de Maria Silvia Mourão Neto] São Paulo: Sumus, 1984.
Resenha
“O poeta oculta, não complexos, mas sim formas em germe: seu propósito é um ato de dar à luz. Deste modo, ele não está simplesmente obedecendo a um padrão; ele pode alterar criativamente o mundo.” (p.58)
Sendo o livro O Teatro da Espontaneidade uma reunião de textos, considera-se objetivo desta resenha uma breve apresentação aos aspectos teóricos e práticos que constituem o teatro da espontaneidade.
“A tarefa central do Teatro Vienense da Espontaneidade, entre 1921 e 1923, era a de produzir uma revolução no teatro, a de alterar por completo os eventos teatrais. A tentativa desta mudança concretizou-se de quatro formas:
  1. Eliminação do dramaturgo e do texto teatral por escrito.
  2. Participação da audiências, ser um “teatro sem espectadores”. Todos são participantes, cada um é um ator.
  3. Atores e platéia são agora os únicos criadores. Tudo é improvisado: a peça, a ação, o motivo, as palavras, o encontro e a resolução dos conflitos.
  4. O antigo palco está desaparecido; em seu lugar desponta o palco-espaço, o espaço aberto, o espaço da vida, a vida mesma.” (p.09)
“... o objetivo do psicodrama é uma organização genuína da forma, uma auto-realização criativa no ato, uma estruturação de espaço, uma concretização de relacionamentos humanos no âmbito da ação cênica.” (p.10)
Moreno inicia sua exposição com uma breve cronologia sobre a evolução de suas propostas. Partindo das quatro premissas anunciadas a cima, elaborou o que chamou de “Teatro da Espontaneidade”, desdobrando-se em “Jornal Vivo”; proposta em que os participantes eram convidados a encenar notícias de jornal; e no psicodrama. Tendo a notícia como enredo, Moreno distribuía aleatoriamente os papéis, conduzindo-se a encenação espontânea ou improvisada. Tal condição propiciou a elaboração de uma série de formas cênicas, condicionadas apenas por estas duas proposições.
Desmotivado pela falta de compreensão e também com o afastamento de seus atores e da sociedade, elabora seu próximo trabalho, o psicodrama, sobre o qual diz:
“... descobri uma solução mais feliz no “teatro terapêutico”. Cem por cento de espontaneidade era mais facilmente alcançada num teatro terapêutico. Era difícil esquecer as imperfeições estéticas e psicológicas no ator normal, mas era mais fácil tolerar imperfeições e irregularidades numa pessoa [dita] anormal, num paciente. Por assim falar, as imperfeições eram de se esperar e até mesmo bem vindas.
Os atores foram transformados em egos auxiliares e, dentro do clima terapêutico, também eram tolerados. O teatro da espontaneidade desenvolveu uma modalidade intermediária de teatro – o teatro de catarse ou psicodrama.” (p.10)
E ainda que
“Quando descobri reduzida a cinzas a orgulhosa casa do Homem, na qual havia trabalhado durante cerca de dez mil anos para conferir-lhe a solidez e o esplendor da civilização ocidental, o único resíduo que detectei em meio às ruínas, prenhe de promessas, foi o "espontâneo-criativo"."(p.17)
“... o Homem precisa ser educado; mas, aqui, educação implica mais do que o mero esclarecimento intelectual, não se trata apenas de uma questão de deficiência na inteligência do Homem e é algo mais do que o esclarecimento emocional; não é apenas uma questão de insight, mas, ao contrário, é um problema de deficiência na espontaneidade de se usar a inteligência disponível e de se mobilizar as emoções esclarecidas.” (p.23)
Com base nisso, Moreno passa a estabelecer e organizar conceitos cientificos destinados a elaboração de um “teatro (ciência) da espontaneidade”. Formado médico, aproxima-se das questões da psicologia apresentando a espontaneidade como locus do self. Sendo este o que distingue um indivíduo dos demais, é na espontaneidade que ele se constrói. Para o autor, quanto maior for o nível de espontaneidade de uma pessoa, maior será a amplitude ou expansão de seu self. Sobre a participação social neste processo diz que:
“No plano social (...) é útil distinguirmos entre projeção e o que se pode denominar “retrojeção”. Geralmente, defini-se projeção como “o jogar para outra pessoa ideias próprias, assumindo que são objetivas, apesar de possuírem uma origem subjetiva”. Retrojeção é absorver e receber de outras pessoas (...) suas ideias e sentimentos, tanto para descobrir uma identidade entre estas e as ideias e os sentimentos próprios (confirmação), quanto para aumentar a força do self (expanção).”(p.21)
Da mesma forma que quanto menor for sua liberdade ou sua capacidade para a espontaneidade, menores serão a confirmação e a expanção de seu self. Dito de outro modo, enquanto houver a primazia de um dramaturgo ou de um diretor sobre o ator, estes estarão elaborando um Teatro Morto, um teatro que difere da proposta de um Teatro Vivo, Teatro do Criador, o Psicodrama1.
Contrapondo-se a um modelo de teatro estanque onde as figuras do dramaturgo e diretor; palco e plateia; atores e público ocupam lugares dicotômicos e de oposição; propõe um Teatro Novo. Teatro este cuja base principal consiste na superação destas dicotomias e no estabelecimento de um “processo relacional” entre seus participantes e não na produção do grande espetáculo. “A arte da espontaneidade não faz uso do princípio de organizar antecipadamente o processo de assumir o papel. Permite-se que o processo de criatividade possa emergir impoluto (...)”2 (p.49) No Teatro Novo palco e plateia não se distinguem, todos os participantes acabam por ser em determinados momentos atores, em outros espectadores; a arquitetura do espaço no qual se constrói privilegia a interação entre os indivíduos em detrimento da clássica caixa teatral italiana.
No que se refere à especificidade de sua elaboração na área da filosofia, nos domínios da Teoria Estética, Moreno define dois conceitos: a metafísica como “(...)ponto de vista da coisa que é criada, da criatura.” e a metapraxis, sua proposta enquanto criador do Teatro da espontaneidade, “(...) é o ponto de vista do criador.” Sobre esta diz que:
“Não é como a metafísica, cerne da ciência e do ser verdadeiros. Está dissolvida a polaridade e o contraste entre a coisa em si e o fenômeno, por um lado, ou entre os fenômenos e a criatividade, por outro. (…) A metafisica consiste em generalizações que se referem a todas as manifestações especiais da existência . Mas os conteúdos da metapraxis são somente os processos criativos. (…) Metapraxis não é uma filosofia dogmática nem crítica; é uma filosofia de criação pura; milhões de mundos imaginários são igualmente possíveis e reais, de valor igual ao mundo no qual vivemos e para o qual foi construída a metafisica. Consiste na generalizações que se referem a todas as manifestações especiais da não-existência. (…) é a vida da imaginação e da criação, a produção de entidades pessoais infinitas.” (p. 49-50)
Dito isto, Moreno distingue três formas de drama às quais tendem a metapraxis (também chamada de filosofia do momento): o teatro da espontaneidade; o jornal vivo ou dramatizado e o teatro terapêutico, ou teatro de catarse (1984)3. E ambas as formas, a espontaneidade (sua experiência e estudo) foi o centro da produção de uma série de conceitos e propostas voltados para a elaboração do processo criativo pleno; para a construção de formas de mensuração referentes a espontaneidade dos individuos e ainda, para o tratamento de pacientes com transtornos psiquiátricos.
Da análise dos estudos e vivências a cerca da espontaneidade nos indivíduos, concluiu que em situações de alta organização cultural e tecnológica, a espontaneidade se reduz e o espaço para a criatividade é tolhido em favor de um treinamento que vise a maximização das funções cerebrais da inteligência e da memória; há a desvalorização do processo em detrimento de um produto final acabado.
Moreno, com a execução de uma série de experimentos e a elaboração de uma metodologia para o trabalho com atores, propunha a eles o treinamento de estados de espontaneidade, assim como a aprendizagem da manutenção destes estados;. Sua notações4, tais quais as partituras elaboradas por músicos, serviram para concretizar seus estudos e para proporcionar a comunicação dos atores consigo próprios e com os demais membros de seu grupo em relação as suas vivências dentro desta proposta de teatro. Ressalta-se que embora tenha construído uma proposta de “técnica e prática” para o Teatro da Espontaneidade, de modo algum esta deveria ser utlizada de forma pronta e irrefletida funcionando mais como um guia ou facilitador do trabalho dos interessados na pesquisa sobre a espontaneidade. Diz que:
“(...) jamais deve-se sacrificar a espontaneidade à harmonia; as regras para posicionamentos e movimentos deveriam constituir-se em meio para um único fim – aumentar o ambito de espontaneidade do elenco de atores.” (p.78)
De modo que
“A memória do ator deve estar tão treinada que ele disponha de um reservatório de “liberdade”, de um tão grande número de movimentos variáveis, de prontidão, quanto seja possível, (…), ficando assim capacitado a uma escolha da resposta mais própria, dentre todas, à situação que o defronta. (…) Através de exercícios de espontaneidade, deve aprender de que modo tornar-se gradualmente isento de formações de hábitos.” (p.82)
Em sintese, ao esquematizar sua proposta, temos o seguinte desenho:
“De forma semelhante a certos filmes cinematográficos nos quais os personagens principais do enredo são exibidos na tela antes de começar a peça, também o drma expontâneo conta com uma fase de preparação. Deste modo, a apresentação é dividida por vários estágios.
Primeiro estágio: O diretor aparece no palco com o produtos (…) e transfere-lhe a ideia para a cena a ser produzida. Todos os arranjos são feitos perante os olhos da audiência. Ele sempre aparece no curso da ação e faz alteraçoes que sejam pedidas por desenvolvimentos inesperados do enredo.
Segundo estágio: Os atores escolhidos sobem ao palco, o diretor apresenta o argumento e designa os papéis. Discute com eles o motivo principal da peça e a sequência de cenas.
Terceiro estágio: Os atores estão aquecendo-se para seus papéis. A modificação se suas personalidades particulares para seus papéis como personagens acontece na frente do público, através das máscaras, roupas e arranjos físicos, bem como de comportamentose gestos. Estes estágios são separados um do outro por uma pausa breve ou por um escurecimento total do local.
Quarto estágio: O drama da espontaneidade.
(…) A preparação da cena não deve almejar uma imitação da verdadeira prática física do teatro legítimo, devendo, porém, inventar uma expressão simbólica do tema que corresponda à sua situação interna. O desenvolvimento expontâneo da ideia do enredo, o desenvolvimento expontâneo do meio ambiente no qual ocorre, e a forma expontânea do ator (…), requerem uma arte especial de apresentação que traz à tona as dimensões ocultas do viver dramático. É o milagre da concepção e do nascimento, a nível de criatividade expontânea.” (p.86)




Cabe lembrar, que este milagre da concepção só ocorre a partir de um trabalho coletivo, onde atores, diretores, pláteia, figurinistas, aderecistas, e o que mais se desejar, executam ali; como uma orquestra, a partitura elaborada pelo diretor. O fenômeno teatral em sua totalidade é construído através de estados de espontaneidade, em sua potência máxima de criatidade, de forma viva, no momento. Contrapondo-se, assim, a concepção do que chama de Teatro Legítimo, onde atores, o dramaturgo, o diretor e demais componentes do espetáculo constroem algo que fica no passado, sendo visível, e de qualquer forma irreversivel por ações da platéia, apenas o produto final, por outras palavras a morte do teatro.
Ao tratar das questões referentes as escolas dramáticas e a educação em geral, faz um breve aparte considerando que “Atualmente, o aluno é em geral tratado como se fosse um sapo cujo córtex cerebral houvesse sido removido. Só lhe permitem reproduzir papéis que estejam em conserva.”5(p.97) Para o autor, a educação pautada pelo exercício e pelo treino da espontaneidade são o tema principal da escola do futuro, onde “O processo reprodutivo de aprendizagem deve passar para segundo plano; a ênfase principal deve ser colocada no processo produtivo, espontâneo-criativo da aprendizagem.” (Idem)
Para concluir, Moreno faz ainda algumas preleções a cerca do teatro espontâneo distinguindo-o do teatro improvisado ao dizer que este ocorre geralmente dentro do Teatro Legítimo; e que embora seja construído com base em uma determinada liberdade, ele já ocorre “calejado” pelos limites estruturais de uma peça. “É um arsenal ilegítimo de truques no 'teatro legítimo'” (p.95) Assim como expõe, de modo breve mas detido, os aspectos que constituem a prática e a pesquisa psicodramática6.
 
Notas
1“Quando Deus criou o mundo em seis dias ele acabou se detendo um dia antes, com excessiva antecipação. Ele havia organizado para o Homem um lugar onde viver mas, para torná-lo seguro para aquele, acabou também por acorrentá-lo a tal lugar. No sétimo dia, Ele deveria ter criado para o Homem um segundo universo, um outro mundo, livre do primeiro e no qual o Homem pudesse se purificar deste, mas um mundo em que não houvesse pessoa alguma acorrentada, pois que não seria real. É neste ponto que o teatro (...) prossegue a obra de Deus de criar o Mundo, ao abrir para o Homem uma nova dimensão da existência.” (p.20)]
2“Nas manifestações expontâneo-criativas, parece que as emoções os pensamentos, os processos, as sentenças, as pausas, os gestos e os movimentos irrompem a princípio sem forma e anarquicamente, dentro de um ambiente organizado e de uma conciência estruturada. “ (p.49)
3 “O primeiro passo nestas formas todas é a seleção do material para a situação inicial no palco. No primeiro dos casos, pode servir a ideia do dramaturgo; no seguinte, as notícias fornecem esse material e, no terceiro, o material é apresentado pela entrevista que indica as pistas do sistema predominante do paciente.” (p.53)
“A cadência rítmica dos atores, suas posições no palco e a sequencia de suas ações não são questões indiferentes: cada caso pede um padrão de velocidade (tempo), um padrão de posições (espaço) e um padrão de sequencias (unidade). (…) Assim que se tornam presentes estes três padrões, está determinada a infra-estrutura de uma produção (Teoria da Harmonia).” (p.63)
“(...) o ator espontâneo vê-se em confronto com quatro formas de resistência que deve suplantar afim de atingir estados de espontaneidade: (a) as resistências que decorrem de suas próprias ações corporais na apresentação de papeis; (b) as resistências que decorrem de sua personalidade particular na produção de ideias; (c) as resistências que decorrem das ações corporais, das ideias e das emoções dos outros atores que trabalham com ele; e (d) as resistências que decorrem da audiência.” (p. 64)
Sobre o ato criativo expõe as cinco características que o definem: sua espontaneidade; a sensação de surpresa e inesperado que evoca; sua irrealidade vinculada a mudança da realidade na qual emerge; seu significado como atuação atipica do indivíduo; sua capacidade de conduzir a uma incorporação mimética. Caracteristicas estas fundamentais a construção do trabalho do ator.
Convém ressaltar que “O trabalho de espontaneidade é de tal sorte desafiador a mente humana que é de bom alvitre não dar chance a fracassos começando por utilizar-se métodos tipo 'laissez-faire'. É como se a razão, antes de acontecer o salto para o universodo drama expontâneo, fosse cautelosamente na frente portando a lanterna da antecipação intuitiva, para fazer um esboço do possível terreno a ser encontrado, com suas barreiras e armadilhas, a fim de poder indicar a direção que deverá tomar salto.” (p.79)
4 Além da notação relativa ao ínicio e desenvolvimento de um estado de espontaneidade, Moreno também utilizou-se do sistema de notações, para “organizar” o espaço, o tempo e as relações interpessoais dos atores.
5Considerando a educação infantil: “Quando crianças, todos a usaram para falar; ao crescerem, aprendem a censurar a linguagem de sua imaginação. É uma censura das linguagens primitivas – a gíria e a linguagem infantil – pela linguagem das classes dominantes – os adultos.” (p.98)
6Aspectos mais amplamente detalhados em seu livro Psicodrama. Cultrix, 2006. ___________________________________________________________
Fonte de Imagens: Associação Brasileira de Arte Rupestre




































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