Dando continuidade ao tema exposto na última resenha, o artigo de hoje traz as diferentes concepções sobre a criatividade obtidas em um estudo de caso realizado na Universidade Federal de Santa Catarina. Embasados pela teoria da psicologia histórico-cultural buscou-se explicitar os processos de mudança e permanência de concepções junto aos alunos da disciplina optativa Psicologia da Criatividade. Tendo em vista os aspectos teóricos e práticos realizados a partir da vivência estética propostos na disciplina; os autores afirmam a importância de cursos e práticas que possibilitem a seus frequentadores espaços de criação.
Como devem ter percebido, tema muito caro às minhas pesquisas e a afirmação da educação enquanto prática da liberdade!
Abraços,Lorena Oliveira
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Resenha
Andréa Vieira Zanella
Silvia Zanatta da Ros
Alice Casanova dos Reis
Kelly Bedin França
O artigo tem por objetivo refletir sobre as concepções de criatividade de 11 estudantes da graduação em psicologia, considerando as propostas de desenvolvimento teórico e vivência estética da disciplina optativa “Psicologia da criatividade” oferecida pela Universidade Federal de Santa Catarina. Com aporte na teoria histórico-cultural1, particularmente os escritos de A. S. Vygotski; procurou-se investigar a possível modificação das concepções de criatividade destes alunos ao longo do curso.
Zanella e cols. principiam sua discussão expondo o conceito de criatividade proposto pelas teorias de Vygotski (1990), para o autor “(...) a possibilidade de criar constitui-se no desenvolvimento humano em consonância com a constituição da consciência, e revela uma relação entre o homem e seu entorno que supera a simples reprodução do que já é conhecido.” (p.144) Deste modo, ao mesmo tempo em que o homem se apropria das formas simbólicas de compreensão e comunicação da realidade próprias de seu contexto histórico-cultural ele cria novas formas de expressão, próprias de sua consciência. Assim como a vivência estética, a partir da apreensão das diversas formas de se trabalhar uma materialidade, são produto de um momento histórico específico; limitando-o ao mesmo tempo em que possibilita a base para o voo criativo.
Ainda de acordo com o autor,
“ (…) a atividade criadora se realiza de forma circular e envolve diversos processos psicológicos superiores, entre os quais se destacam: 1) a percepção de determinados aspectos da realidade e a acumulação, pela memória, dos elementos mais significativos para o sujeito dentre a totalidade dos aspectos percebidos; 2) a reelaboração desses elementos através da fantasia, processo no qual estão presentes tanto a cognição, quanto a vontade e o afeto, cuja influência nas combinações da imaginação se da através da atração exercida pelo signo emocional comum; e, finalmente 3) a objetivação do produto da imaginação, ao qual, ao materializar-se na realidade, traz consigo uma nova força, que se distingue por seu poder transformador frente à realidade da qual partiu. (…) constituindo-se assim como condição para toda e qualquer transformação em diferentes esferas da realidade.” (idem)
Dito isto, considera-se necessário explicitar que este artigo é fruto do recorte realizado em um trabalho maior, cujas bases se dão sobre a articulação de três aspectos: a constituição dos sujeitos, atividade criadora e contextos de escolarização formal. O primeiro parte do pressuposto que a constituição do sujeito ocorre em relação com a apropriação de formas simbólicas de expressão; a segunda, compreende a necessidade de se considerarem criativos os produtos da vivência estética realizada; e o terceiro pressupõe a reflexão sobre a prática criativa com objetivo de explicitar sua gênese e estrutura. Para tanto foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas (Trivinos, 1987) realizadas no início e ao final do semestre letivo trabalhadas “(...) de acordo com a análise de conteúdos, técnica que permite protagonizar os sujeitos da pesquisa ao assumirem o lugar do conhecimento.” (p.145)2 Assim, as categorias de análise foram elaboradas com base na fala dos entrevistados, tendo em vista sua ocorrência e as relações pertinentes com as escolas teóricas estudadas.
Na primeira entrevista, tendo em vista o recorte proposto por este artigo, o foco de análise recaiu sobre uma questão específica: “O que é criatividade?”. Das respostas obtidas, 7 foram categorizadas como referindo-se a concepções inatistas para as quais a criatividade é um potencial a ser desenvolvido; e 4 como referindo-se a concepções que entendem a criatividade como criada socialmente, de modo que “(...) a noção de criatividade como um processo socialmente construído estabelece o vinculo entre a atividade criadora e o contexto em que ela se desenvolve, entre o criador e a intrincada trama de relações que sociais em que se engendram as significações que ele objetivará em sua obra.” (p. 146)
Na segunda entrevista o grupo de pesquisadores foi surpreendido com dificuldades advindas da primeira elaboração categórica tendo em vista o objetivo de explicitar permanências e mudanças em relação ao conceito de criatividade por parte dos entrevistados. Embora na primeira entrevista as respostas apresentassem uma clara distinção entre as concepções inatistas e àquelas criadas socialmente; nestas explicitaram-se grande quantidade de respostas híbridas nas quais não foi possível estabelecer o predomínio de uma determinada concepção. Desta forma, pode-se concluir
“(...) que na entrevista final as respostas apontaram para possibilidades outras de pensar e falar sobre criatividade, que não tinham sido reconhecidas pelos sujeitos anteriormente. (…) [Sendo] importante destacar que (…) os sujeitos apontam para a mudança de concepção como decorrente do processo vivenciado na disciplina. Isto porque, dentre os conteúdos ali trabalhados, justamente a desautomatização do olhar cotidiano como possibilidade para redimensionar as próprias atividades, retomando o sujeito criador (e não meramente reprodutor), foi debatida em vários momentos, mediada pela contribuição teórica de vários autores. (…) bem como as vivências estéticas naquele contexto foram significativas no sentido que possibilitaram, aos sujeitos envolvidos resignificarem concepções ou práticas, o que se objetivou na complexificação das respostas apresentadas.” (p.148-49)
Notas
1“Essa perspectiva teórica concebe o processo de constituição do sujeito como inexoravelmente social, sendo a atividade criadora necessariamente mediada e constituída em em contexto histórico, social e cultural.”
2 “Franco (1994 p. 164) afirma que é importante reconhecer “a utilização da análise de conteúdo como procedimento de pesquisa, dentro de uma abordagem metodológica crítica e epistemologicamente apoiada numa concepção de ciência que reconhece o papel ativo do sujeito na produção do conhecimento.” (idem)
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Referências
Psicologia em Estudo, Maringá, v.8, n.1, p. 143-150, jan/jun. 2003. O artigo completo está disponivel Aqui
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